Archive for August, 2015

DanPrice_2Surreal? Acho que não. Eu utilizaria a palavra inusitado.

Desde Abril deste ano, sociólogos, economistas e o empresariado americano discutem a “loucura” feita por Dan Price, fundador e CEO de uma empresa de processamento de compras com cartão de crédito.
Baseado em uma pesquisa sobre felicidade, o empresário decidiu aumentar e igualar os salários de todos os 120 funcionários de sua empresa em 70 mil dólares anuais.
O que daria aproximadamente 18.600 reais mensais, no câmbio de hoje, é mais que o triplo do salário mínimo da terra do Tio Sam ou “terra da prosperidade”; que paga 1600 dólares por mês para seus assalariados (pouco mais que R$5500).

O plano parte da premissa de que ele próprio reduzirá o seu salário a este patamar e que funcionários felizes produzirão mais. Mas obviamente, não agradou a todos: alguns dos funcionários mais experientes (e, provavelmente, com salários mais próximos do valor estabelecido) pediram demissão.

Três pontos a discutir aqui.

O primeiro é a desigualdade. Os Estados Unidos são conhecidos mundialmente pela disparidade entre os salários de funcionários iniciantes e diretores ou CEOs. O valor chega a 300 vezes e não é sequer tomado como normal pela maioria dos que estão no topo.
Não há necessidade de haverem pagamentos tão diferentes entre colegas de empresa ou entre funcionarios e seus chefes diretos. Isso seguramente causa mais problemas de relacionamento e cooperação no trabalho que traz beneces a empresa e ao ambiente capitalista competitivo.
A desigualdade pode haver mesmo sem existir miséria ou pobreza extrema!

O segundo é a imperfeição do modelo capitalista (e do próprio ser humano).
Por mais que a ideia seja original, criativa e bem-intencionada. O Sr. Price tem, a meu ver, uma bomba-relógio nas mãos; já que a empresa está no âmago do capitalismo, e considerando que o ser humano está longe da perfeição.
Para os empregados, o que trouxe alegria para muitos gerará revolta futura, quando um empregado se comparar ao colega “preguiçoso” que ganha o mesmo que ele. E concluirá que “não é justo”.
Ao mesmo tempo, na lógica capitalista, um salário alto permite altos gastos. E haverão certamente viagens, carros e jóias comprados sem planejamento, gerando dívidas e insatisfação. A insatisfação “ligará” a necessidade de ganhar mais, ou ativará a comparação com o colega de trabalho…

O terceiro é a meritocracia. Aquilo que nós, elite brasileira juramos que existe para encobrir nossos privilégios.
O Capitalismo tem na meritocracia a “arte de se enganar”. É nela que explica os porquês: o porquê você não recebeu aquela promoção, o porquê o seu carro é mais novo e potente que o do vizinho, o porquê as férias foram no Caribe.
Mas isso não existe. Sobretudo no capitalismo.
Conseguem imaginar um filho de lixeiro virar diretor de empresa? (“Ok! Lógico que é possível”) E um filho de diretor de empresa, nascido no mesmo dia, tornar-se lixeiro?
A ausência de evolução com mérito próprio no capitalismo faz com que as cenas acima sejam quase impossíveis. (assumo que a primeira é possível naqueles 0,0001%). A desigualdade é carregada de uma geração para as próximas, pois as condições iniciais de competição (capitalista) são diferentíssimas. Um filho de diretor, mesmo sendo um boçal, terá estudado em bons colégios e frequentado bons ‘círculos sociais”, terá um salário aceitável e terá acesso aos mesmos bens e às mesmas férias no Caribe. Um filho de lixeiro poderá fazer universidade, se lutar pra isso. E só!
(como leitura, indico um conto nosso – aqui)

De positivo, e essa medida tem muitos aspectos positivos, o CEO “socialista americano” conseguiu que muitos colegas e compatriotas ponderassem sobre a atual crise mundial, também presente em seu país, e o reaquecimento do mercado. De modo unânime, os capitalistas “de essência”, previram que a economia sofreria muito menos se os salários por lá fossem menos desiguais! Ou seja, se o modelo fosse o socialista…

por Celsão Correto

P.S.: texto “original” do New York Times aqui. E duas discussões: uma apontando as repercussões aqui e o que ele deveria ter feito antes aqui. (perdão, todas as três notícias acima estão em Inglês)

P.S.2: Um escritor/blogueiro que admiro e esreveu brilhantemente sobre meritocracia (ou a ausência de), Alex Castro, infelizmente não tem mais os textos de seu blog disponíveis na rede. Para ler um trecho de seu pensamento sobre o tema, clique aqui. O texto faz parte de uma análise mais profunda – aqui

figura: montagem com figura retirada daqui

bar-celularChego em casa ruidosamente.
Entro pela cozinha, uma vez que trago itens de mercado que precisam ser guardados na geladeira, e vinhos que vão para a despensa.
Noto pela fresta da porta que todos estão em casa; cada um em seu mundo. Me esforço para não gritar nesse momento, ordeno pacientemente tudo o que comprei e aproveito para guardar na geladeira o leite, os frios e outras guloseimas abertas e desprotegidas que mãos “ocupadas demais” largaram na cozinha.

Tento inutilmente beijos de recepção. Reflito comigo mesmo, buscando na memória o início de tudo isso… desse isolamento eletrônico-internético.
Dou risada ao lembrar da música de Gil: “O mundo agora é pequeno por conta da antena parabolicamará.” Misturo essa com a outra, chamada “Pela internet”, ao assobiar. Todos ainda em seus ambientes virtuais, não percebem meu sorriso, meus movimentos de pegar um CD e de colocá-lo para tocar no antigo 3 em 1.

Finalmente vejo movimentos, meu filho sai do sofá da sala e se dirige a seu quarto, enquanto batuco algumas das músicas do Chico Science, Afrociberdelia. Rio sozinho novamente, depois de relembrar onde o meu neologismo eletrônico-internético me levou…
Sou assim, solto. Viajo em pensamentos que se concatenam automaticamente e fogem ao meu controle. Minha mente viaja ao comparar os diferentes verdes de uma simples folha de planta rasteira, ao perceber um riso inocente de criança e o consequente riso de satisfação e orgulho do adulto que a acompanha… Solto a imaginação em livros e até em comenrciais de revista de compania aérea. Mas não me vejo “preso” à internet todas as parcas horas livres do meu dia. Como se o Netflix e o Youtube me dominassem, arrastando-me para as suas indicações.

A esposa, outrora companheira dessas viagens, dos shows, dos planejamentos e ambições, agora acompanha hipnotizada um seriado qualquer no Netflix. A menina mais nova, talvez jogue, talvez publique no Facebook, difícil saber quando o fone branco parece colado no ouvido e os dedos ágeis escrevem ininterruptamente.

Ocupo o espaço entre as duas propositalmente, no afã de receber agrados gratuitos ou, ao menos, atenção. Ambas se mostram incomodadas e se viram simultaneamente, dando-me as costas e se prostrando a 180 graus uma da outra; como uma equipe de nado sincronizado.
Termino o sanduíche matutando sobre o que fazer: entregar-me também aos vídeos do whatsapp? Sair para respirar o ar “puro” de São Paulo? Abrir um livro?

O ócio eletrônico-internético é tentador. O esforço é mínimo quando quase tudo na casa já está conectado às inúmeras possibilidades da rede mundial: TV, computadores, impressoras e até o relógio-despertador, que lê pen-drives, cartões SD e acessa rádios pela internet, ao invés do confuso método de sintonia em ondas curtas.

Vou ao quarto do meu filho e sou sumariamente expulso com um “Cai fora, pai!“. Meu planejamento há 17 anos era conversar abertamente sobre as baixarias e pornografias abundantes das mais variadas formas; correlacionando a comicidade das minhas revistas de difícil obtenção e de intensa circulação entre os “parças” da época.
Como fazer isso agora?

xon-the-phone_jpg_pagespeed_ic_8ZOTFQpD42E se eu criasse um grupo da minha família? Penso, rindo novamente comigo mesmo.
Decerto esse grupo já existe, minha filha deve tê-lo criado… só esqueceu de adicionar o pai caretão.

Vou pra cama ainda curtindo minha caretice; pois começo a imaginar uma estória de pessoas que vivem o mesmo problema.
Será que elas usariam o Facebook para se conectarem umas com as outras e compartilhar este sofrimento?
E o que seria isso, hipocrisia ou inevitável ironia?

Acho que vou escrever um livro.
Talvez o Amazon faça uma versão e-book dele…

por Celsão Irônico

figuras retiradas daqui e daqui (que recomendo também a leitura do relato de vício do Leandro)

P.S.: recomendo também o excelente video dos barbichas, que pode ser acessado aqui .

P.S.2: outro conto nosso relacionado com o tema (aqui)

beatrizMuito se falou nos últimos dias sobre a advogada (ou ex-advogada) Beatriz Catta Preta.
Especialista em delação premiada, gozou de fama e chegou a dar entrevista ao Jornal Nacional da Globo (aqui) por conta de uma convocação dúbia, claramente arquitetada para desestabilizá-la e aos processos de acusações dos politicos, especialmente do PMDB e principalmente do Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Nós mesmos já criticamos esta CPI da Lavo Jato, no momento em que foi constituída, no “longíncuo” Fevereiro (aqui). Na época, criticávamos a ética da formação da bancada, composta por membros receptores de doações de campanha feitas pelas empresas investigadas.
Criticamos também, mais recentemente, aqui, os desmandos do “Reino do Cunha”. Já citando a convocação da advogada para depor na CPI, como subterfúgio ou mudança proposital de foco.

Pois bem, o presidente do STF, Ricardo Levandovski, a OAB e outros orgãos, condenaram a leviandade da convocação, dando não só o tom de absurda, mas também mostrando a confusão na medida do Sr. Celso Pansera (do PMDB).
Mas… como se não houvesse eco nas declarações e no espaço que a mídia deu ao caso, o Sr. Hugo Motta (também do PMDB, coincidentemente o mesmo partido do “recusado-a-ser-acusado” Eduardo Cunha), mudou o discurso e quer a presença da advogada Catta Preta para que ela explique o porquê se sentiu ameaçada.
Cômico? Proposital? Pra mim, não é. É um claro movimento (contínuo) de descredenciar o depoimento de Júlio Camargo, que acusou o rei-presidente Cunha.

Muitas perguntas ficaram até então sem resposta; como, por exemplo, se houve mentiras no primeiro depoimento dado por Júlio, se ele planejava mesmo soltar a “bomba” num Segundo momento ou se a doutora do caso sabia sobre a mentira (proposital ou não) desde o princípio.
Mas, pra mim, alguns fatos são claros:
honorários são rastreáveis; se algum advogado recebe dinheiro ilícito, do tráfico de drogas por exemplo. Mesmo que o declare, uma quebra lícita de sigilo de narcotraficantes pode expor o defensor e colocá-lo numa apertada saia justa
algumas profissões suscitam segredo; um padre não pode delatar as confissões que recebem, um médico não pode expor a saúde delicada de um paciente sem a anuência deste, um psicólogo ou analista não tem o direito de reveler segredos contados em consultório e um advogado não pode alcagüetar aquele que defende.
um animal acuado, ataca; e é o que está acontecendo com empresários e políticos acusados. Desmerecer delatores, testemunhas, juízes, advogados e promotores é só o começo. Certamente as tentativas de desdenhar e as ameaças se intensificarão.

Meu lado romântico vibra com as prisões e torce para que elas virem condenações. É um marco por estar acusando “branco e rico”; é como se a Justiça com maiúscula despertasse ou “atravessasse a ponte”, fazendo referência a letras de rap e ao rio que separa a “periferia” do “centro” de São Paulo.
Que órgãos como Polícia Federal e Ministério Público sigam essa vocação e realizem seu trabalho sem intervenção.
E que juízes e advogados usem mais a palavra ética em seu dia-a-dia. Palavra que não existe (ainda) no vocabulário do Congresso.

por Celsão Correto

figura retirada daqui

P.S.: para quem quiser ler um artigo do jurista Joaquim Falcão, sobre a nova fase do direito criminalista, que agora busca minimizar os danos ao invés de procrastinar os casos e desqualificar provas, link aqui.