Sem dúvida é inglória, complicada e extremamente imprevisível a tarefa.
Livros são escritos, exemplos bons e maus são compartilhados, e ainda assim sobra o tal sentimento de culpa, de que daria pra fazer diferente, e melhor!
Minha intenção aqui não é mandar uma receita de bolo. Até por ter um “teto de vidro” nesse caso, representado num pimpolho cheio de energia de dois anos.
A intenção também é mostrar exemplos: um bom e um mau. Opinando de forma pirata, só pra variar um pouco…
Começando de forma otimista, destaco o exemplo do vídeo do youtube mencionado no meu post-conto anterior (post aqui e vídeo aqui).
O escritor e radialista Marcos Piangers conta experiências de pai numa palestra do canal TED, relacionando o carinho impagável enquanto mostra a culpa sempre presente, mesmo quando as preocupações infinitas (com alimentação saudável, por exemplo) são focadas incessantemente. Destaco o trecho final, que é o título da palestra dele: do que as filhas precisam. As filhas (e filhos) não precisam de dinheiro, não precisam de coisas, de presentes, de bens materiais. Elas precisam de harmonia, de um mundo melhor, de menor desigualdade social, da extinção do machismo e do racismo, de uma igualdade plena entre cidadãos, entre homens e mulheres…
Precisam também de pais presentes (e mães, obviamente). De pais que queiram ser pais, que escolham ser pais; de momentos juntos, de qualidade de relacionamento. Me dói ver babás de branco em escolas e shoppings. Dói pelas babás, que trocam muitas vezes o carinho dos seus próprios filhos, para cuidar e educar outros, quase sempre por necessidade. E também dói pelos pais e mães que não estão vivendo o momento mágico da infância dos seus filhos, não estão acompanhando sorrisos e abraços.
E, para exemplificar esse lado “ausente” dos pais, compartilho um comunicado fotografado em meu condomínio há um ano. Comunicado da pequena S. que perdeu brincando um IPhone 5S ganho no aniversário de 10 anos…
Destaquei a palavra brincando, pois é exatamente o que penso que crianças de dez anos devam fazer: brincar. Um celular de última geração é algo falso e forçado na inocência juvenil; traz a tônica do “ter algo para ser melhor” a uma idade que nem deveria se preocupar com isso. Se a marca do tênis, o estojo e as viagens de férias já mostram as diferenças sociais entre os alunos de uma escola, um IPhone aos dez anos inicia a competição gananciosa e escancara a desigualdade muito cedo!
Se eu pudesse falar com a menina, avisaria logo que a ameaça do pai é infundada.
Aquele IPhone é mais dele do que dela. É a ostentação do pai que planejou o presente (talvez numa viagem internacional), para dizer aos amigos do trabalho, do futebol, do clube que comprou um “IPhone último modelo” para dar de presente para a filha pré-adolescente.
É já que representa um sonho de consumo dele aos dez anos, transferido para a filha… ele seguirá realizando este sonho sempre que puder, já que conseguiu realizar tal sonho uma vez, independente das travessuras e do valor que a filha der aos presentes caros. Será assim com a viagem aos treze, a festa cara aos quinze e com o carro aos dezoito anos dela!
É um efeito compensatório, que troca o tempo com os filhos por mimos e IPhones caros. E essa busca da compensação não tem fim, uma vez que as crianças se acostumarão ao mecanismo e os adultos acreditarão ser a única maneira de curar as falhas como adultos cuidadores e responsáveis.
Se extrapolarmos o exemplo da jovem S. para outros adolescentes de classe média, há um enorme risco de toda a geração atingir a vida adulta sem conhecer a palavra “não”, sem ter passado por restrições, punições, castigos.
Mas, como disse no início, é um assunto “sem receita”, não há uma lista do “o quê fazer”.
Agradeço em nome dos filhos aos que deram o seu melhor; e desejo sorte aos que estão ou pretendem iniciar esse árduo intento.
por Celsão correto
P.S.: primeira figura retirada do vídeo do youtube citado acima (aqui). segunda figura de arquivo pessoal