Ângelo sentou-se no sofá.
Afundando em tristeza enquanto a própria deformação do móvel envolvia o seu corpo magro.
Os minutos se passaram daquela forma taciturna e indolente. Mas foram respeitados.
Seu rosto estava ainda mais marcado. Era como se parte dele não estivesse mais ali.
Não havia necessidade de palavra. O silêncio caía bem, dada a situação. Ao mesmo tempo em que muito era dito em pensamentos.
A admiração mútua, as estórias e aventuras compartilhadas em São Paulo, o sonho de regressar à terra natal…
O outro acabava de voltar de uma viagem especial.
Sentia um misto de alívio, pela missão cumprida, e vazio. Mas entendia aquela tristeza.
Os últimos meses passaram pela negação, revolta e demais fases psicológicas descontroladamente. Escancarando a humanidade que a própria humanidade tenta negar.
A fragilidade, a frivolidade… a vida como vivemos!
Anos antes partilharam festas de aniversário com refrigerantes em garrafa de vidro, programas Sílvio Santos em salas apertadas, visitas sem aviso prévio que não acabavam antes daquele café passado na hora e dos biscoitos, bolos, pães. Coisa de baianos, ou de nortistas, como eles próprios se classificavam.
Voltando ainda mais no tempo, partilharam aventuras num São Paulo sem trânsito na Rebouças, com Pelé no Pacaembu e torcidas misturadas nos estádios, fotos em monóculos, excursões para Aparecida, bailes na tal “terra da oportunidade”.
Emigração corajosa, sofrimento, sub-empregos, profissões descobertas, família! Tudo partilhado e compartilhado.
Mas aquele encontro era único. Algo ainda não experimentado.
A perda gerava desconforto.
Aquele típico desconforto aflitivo, provocador, que se tenta sanar dizendo algo inteligente, marcante, útil.
Mas não era possível. O silêncio dizia mais. Declarava o respeito e o amor sentido por eles, para com o que havia partido.
Incontáveis instantes depois, uma frase banal rompeu aquele silêncio, mas irrompeu lágrimas reprimidas e verdadeiras.
As barreiras do machismo e preconceito deram lugar ao extravasar de sentimentos.
A dor foi celebrada e partilhada, naquele momento, para dar lugar, posteriormente e novamente, à vida.
por Celsão filosófico
figura retirada daqui
Primo, primo, primo! Você é o cara de exatas mais humano que conheço.
Chorando horrores aqui, lendo este texto novamente a exatos 3 anos e 6 meses após a partida de meu pai. Digo partida, mas prefiro chamar de viagem de volta porque a caminhada aqui é passageira. Tão breve e efêmera que nossa missão tem data e hora para término. Um dia o balão estoura. E que quando estourar, possamos olhar para trás e sentir aquela sensação de missão cumprida, ou pelo menos de evolução. Que nossa vida não se resuma a trabalhar, consumir e pagar contas. Que possamos viver e não apenas sobreviver. E que em tudo que fizermos em Terra, possamos empregar um propósito maior. Mais uma vez, parabéns pela sensibilidade. Continue escrevendo, eu amor ler os seus textos! Os seus, os do Flávio, do Miguel…
LikeLike
Em tempo, amei a foto. Super ilustrou o sexto parágrafo! Também gostei muito do pseudônimo 😉 Não poderia ser melhor, pois Angelo remete a anjo e a fonética é bem próxima a do nome de meu pai. Ah, nossos queridos pais… Mais pareciam irmãos do que primos! Só mesmo quem presenciou e viveu tudo isso para escrever um texto tão real e apaixonante. Um filme passa na minha cabeça para cada frase que leio, independente de quando leio. Este texto foi pra mim, um presente!
LikeLike