Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias e que ainda vai dar o que falar é o esquema de cartel nas licitações do Metrô de São Paulo e Brasília, denunciado pela Siemens. Já fizemos um post sobre isso (aqui), mas antes de falar mais sobre este assunto, queremos contar uma historinha que poucos conhecem.
“Até o final dos anos 90, a lei alemã permitia que empresários pagassem propina a autoridades no exterior, para facilitar a aprovação de contratos. Nos anos 80, a prática era tão comum, que as companhias podiam até mesmo descontar o valor das propinas do imposto de renda pago na Alemanha.
Não somente na Alemanha, mas em muitos países do mundo, essa prática de cartel e pagamento de propina era uma prática “legal”, pois não existiam leis bem definidas que impedissem as mesmas. Diversas empresas, em diversos países, realizavam práticas parecidas. Ou seja, não era exclusividade da Alemanha, muito menos da Siemens.
Essa prática surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial. As indústrias europeias buscaram mercados em expansão e carentes de tecnologia na época, como a América Latina, Ásia e Oceania para recuperar as economias e sair da recessão provocada pela guerra. Os cartéis e pagamentos de propinas eram comuns nesses mercados e incentivados pelos governos europeus, por significar uma provável “salvação”.
Com o passar dos anos, vários países começaram a atualizar suas legislações, passando a contemplar a proibição de tais práticas.
Na Alemanha, a reforma veio no final da década de 90. Porém, enquanto o mundo “puxava o freio de mão”, a Alemanha dava “totozinhos” no freio. Ao que parece, a cultura desta prática era tão presente no mundo dos negócios por lá, que os empresários alemães tiveram dificuldades em se adaptar às novas regras.
Então, em 2006/2007, tornou-se conhecido o fato de que a Siemens continuava com essa prática em diversos países. O que serviu de estopim para que a mentalidade alemã, no geral, entrasse num processo radical de mudança.
Na Siemens, houve uma verdadeira “faxina”. A “cúpula” da Siemens caiu: presidente, boa parte da diretoria de sua matriz (na Alemanha), além de diretores pelo mundo afora foram demitidos. Alguns foram inclusive presos. Multas milionárias foram aplicadas nos Estados Unidos e Alemanha e houveram sanções em diversos países.
Após esses escândalos, a Siemens adotou uma série de medidas e reformas internas com um único intuito: se tornar exemplo de conduta e de ética no mundo dos negócios.
Com essas novas diretrizes como pré-condição para a realização de qualquer negócio, a Siemens passou a ganhar os mais diversos selos de transparência e ética por todo o mundo e se tornou um exemplo de boa conduta. “
Agora, voltando ao caso específico…
De acordo com a mídia, a Siemens denunciou um Cartel existente entre várias empresas, entre elas a Alstom, Bombardier, Mitsui, CAF, TTrans e a própria Siemens, na disputa das licitações da CPTM e do Metrô de São Paulo e do metrô de Brasília.
Ainda segundo as reportagens, os depoimentos dados por funcionários da Siemens Brasil e da Siemens Alemanha dão detalhes de como o esquema era feito. No caso, as empresas ganhavam as concessões, se alternando; e para que o esquema fosse possível, pagava-se propina para membros-chave do PSDB e para diretores/funcionários do metrô de São Paulo (que é uma empresa estadual). O esquema viria desde o Governo de Mário Covas, passando por Geraldo Alckmin e José Serra, todos do PSDB, afinal de contas, o PSDB governa São Paulo há duas décadas.
Vale uma ressalva aqui: o governador Geraldo Alckmin processou ou processaria a Siemens por conta das denúncias (aqui), ignorando o princípio de leniência aplicado a esses casos, que significa o não-envolvimento dos denunciantes (no caso, diretores da Siemens) nos processos advindos da investigação. Pois bem, para nós, o processo só foi (ou seria) aberto para tentar mostrar repúdio ao esquema e desvincular a figura dele próprio nesse “esquema”. Obviamente não dá pra “cravar” que houve envolvimento dos governadores, mas certamente todos eles serão réus de uma possível CPI ou mesmo investigação do Ministério Público. O governador parece bem confiante, pois até criou uma comissão externa para investigar o caso, chamada Movimento TranSParência (aqui).
Este escândalo ainda está em fase de investigação. O CADE possui mais de 30TB de informação pra ser analisada. E o processo pode durar meses! (aqui e no meio desta notícia)
A Siemens do Brasil não se pronuncia oficialmente sobre o caso, exatamente por estar em investigação.
O fato é: o que aconteceu no Brasil não é novidade, pois é o mesmo que aconteceu no mundo. Não é boato, nem conspiração, mas sim fato confesso! A diferença é que, na maioria dos países o caso foi revelado e julgado, mas no Brasil, não. Já em 2008, funcionários da Siemens Alemanha davam depoimentos revelando os esquemas no Brasil. Mas o caso foi ignorado pelo Ministério Público de São Paulo e pela mídia brasileira. E aqui vai uma segunda opinião nossa: tais denúncias devem ter sido abafadas por conta de políticos e empresários envolvidos com o cartel, os quais possuem claramente estreitas relações com o Ministério Público de São Paulo e com a Grande Mídia.
“Mas esse escândalo está na mídia” – alguns podem argumentar. Bom, a primeira representante da “Grande Mídia” a tratar do assunto com real atenção e profissionalismo, e principalmente sem atraso foi a revista Isto É, em sua edição número 2279 do dia 19 de Julho de 2013.
Aproximadamente duas semanas mais tarde, o restante da “Grande Mídia” acordou de um sono profundo, como se tivesse sido beijada pelo príncipe, e então começou a divulgar o escândalo. Porém, a maior parte dela divulga com certa cautela, evitando ao máximo dar “porrada” no governo de São Paulo e dando mais foco às empresas privadas envolvidas.
E o povo? Por que ninguém comenta sobre isso no Facebook? Por que ainda não existem e-mails sensacionalistas? Por que este não é o assunto mais tratado das mesas de boteco? Por que o silêncio da população?
Na última quarta-feira, dia 14 de Agosto, o MPL (Movimento Passe Livre) realizou uma manifestação “de panfletagem” com três mil participantes, contra o Propinoduto e juntamente com os metroviários. Justo, afinal já existem cálculos de que o prejuízo com o tal “Trensalão” (nome dado pelo PT) pode chegar a quase dois bilhões de reais, dinheiro que, se utilizado nas passagens de São Paulo, estas custariam algo em torno de R$ 0,90!
Se os cálculos estiverem certos, existe um motivo concreto e claro para justificar protestos e investigações. E mesmo assim, a manifestação do dia 14 contou com meros três mil participantes. Logo agora que existe um motivo concreto para luta, o povo adormece novamente (AQUI para ler sobre o gigante adormecido). Vale voltar a refletir sobre as causas e inspirações das manifestações de julho.
Pra concluir, deixamos outras perguntas pra reflexão: E se ao invés do PSDB, fosse o PT o partido envolvido? Como estaria a mídia? Como estaria o Facebook? Como estariam os e-mails? E como seria a manifestação do dia 14 de Agosto? Como seria……?
por Celsão Correto e Miguelito Formador
Figura daqui