Passados 8 meses após minha última estadia na minha pátria amada Brasil, cá estou eu novamente.
Alguns amigos perguntaram-me quais eram minhas impressões sobre o Brasil e nossa sociedade. Ora, são as mesmas de sempre, pois afinal não estamos a falar de 20 anos corridos, onde gerações inteiras se cruzam, mas sim de singelos 8 meses. Mas mesmo assim, penso que estes questionamentos acabaram me despertando uma curiosidade ainda maior que a aquela já existente em mim, e peguei-me por diversas vezes observando e refletindo sobre as coisas que eu via, ouvia e sentia.
Já na minha primeira tarde na cidade de São Paulo, sentado no segundo andar de um restaurante da Rua Augusta, fiquei observando um cruzamento, durante 2 horas. Neste período, centenas de pedestres e de veículos passaram por ali.
Os automóveis, até que oscilavam entre aqueles que paravam para os pedestres na faixa, e os que passariam por cima dos mesmos, casos estes não corressem.
Já os pedestres, estes se sentiam “Highlanders”, imortais! Não vi sequer um pedestre esperando o sinal verde de pedestre para poder cruzar a rua. Quando muito, cruzavam sobre a faixa.
Brigas foram aos montes. Pedestre cruzando no vermelho, fora da faixa, percebendo claramente que vários carros virariam no cruzamento, e mesmo assim, desfilavam pela rua, vagarosamente. E quando neste momento um motorista ou motociclista “lascava” a mão na buzina, o pedestre virava um galo, enchia o peito, usava todas as palavras chulas presentes em seu vocabulário, além de todos os gestos mais obscenos que ele deveria conhecer.
Sei também que na minha terra natal, Ubá – MG, respeitando o peso das devidas proporções populacionais, a situação não é nada melhor. Ao que dizem, e também já pude observar, os pedestres se sentem no direito de cruzar as ruas em quaisquer lugares, ignorando a existência de uma faixa de pedestre a meros 3 metros dele.
Uma vez questionei a um primo meu o porquê dele ter cruzado a rua fora da faixa de pedestre, a qual estava a alguns passos do mesmo, fato que fez com que o carro que seguia tivesse que frear bruscamente, pois não estava esperando que o pedestre fosse cruzar repentinamente fora da faixa. A resposta do meu primo: “Ahh Miguel, ninguém respeita, por que eu respeitaria?”
Isso se chama “total falta de senso de cidadania”. Danem-se as responsabilidades individuais, vou repetir o que a sociedade faz.
Ao passar 3 semanas dirigindo diariamente em São Paulo, lembrei-me que quando resolvi sair “corrido” daquela cidade há 3 anos, o trânsito havia sido um dos principais motivos. Os engarrafamentos estressam, isso é fato. Perder de 2 a 4 horas por dia no trânsito é algo extremamente lamentável. Você passa 1/8 da sua vida sem fazer nada de produtivo, sentado dentro do carro, ou no ônibus e metrô.
Mas o que mais revolta é a falta de educação dos motoristas. Tem os espertões, que ao avistarem qualquer lacuna tratam logo de preenchê-la, costurando o trânsito do início ao fim. Tem os espaçosos, que não percebem que estão dirigindo no meio de duas pistas constantemente, não dão seta, andam muito abaixo da velocidade permitida, e coisas do tipo. E tem os ignorantes, que qualquer situação é motivo para esquentar a buzina, ou fazer um gesto obsceno com palavras do mesmo calibre, ou até mesmo perseguir seu automóvel com faróis altos e dirigindo colado em você como uma forma de medida intimidadora.
Nos bares e restaurantes a história é parecida. Cada um fala mais alto que o outro, e ao invés de diálogos, parece que estamos no meio de uma fanfarra. Mas o que ainda mais me incomoda é a falta de gentileza com os garçons. Raramente percebi alguém dizendo um “muito obrigado” ao garçom quando era atendido pelo mesmo. Olhar nos olhos deste então ao agradecer…. isso penso nunca ter visto. A impessoalidade e individualismo fazem com que o atendido não tenha qualquer interesse em olhar nos olhos do garçom, como se ele não fosse uma pessoa, mas sim uma máquina que está ali para servi-lo a todo custo.
Um dia fui ao cinema assistir ao Thor em 3D. Nem ao menos 1 minuto havia se passado do início do filme, e uma mulher a duas fileiras na minha frente ligou o celular e começou a olhar algo no facebook, mesmo com os avisos extremamente nítidos do cinema “Favor Desligar seu celular durante toda esta sessão!”.
Aquela atividade durou mais de 1 minuto. Foi quando uma moça que estava logo a minha frente pediu educadamente para que a outra desligasse o celular, pois a claridade do mesmo estava atrapalhando a enxergar as imagens 3D.
Pronto, começou a algazarra. Uma troca de “belas palavras” durou por uns 10 minutos. A turma que estava com a mal-educada também ligou o celular em forma de provocação. Mesmo com as ameaças da moça de chamar o segurança a turma não desligou os celulares. Muito bem, o segurança foi chamado, e para meu ainda maior espanto, houve bate-boca com o mesmo. Os “vândalos” diziam: Quero ver quem vai tirar a gente daqui!!!
E assim se seguiu, até que resolveram desligar o celular, aos murmúrios de revolta.
Ainda na mesma sessão de cinema, o casal atrás de mim inicia um diálogo em voz alta. “Porque nossa geladeira não tá fechando…. o gato fez xixi hoje no tapete…. ouvi no jornal que amanhã vai chover… posso comprar a viagem para Atibaia mês que vem?”…..
E eu me pergunto: Será que não poderiam conversar sobre isso no caminho de volta para casa, ou em qualquer outro momento? Tinha que ser no cinema? Se não gostam de filme de ação, ou qualquer outro tipo de filme, para que ir ao cinema?
Nas minhas experiências pessoais, bom, nestas espanta-me o fato de eu ainda me espantar. Com somente 3 a 4 semanas de estadia no Brasil, sendo que 3 semanas seriam em São Paulo e 1 semana seria de férias em Ubá, fiz o possível para já deixar compromissos pré-agendados com a maioria das pessoas com as quais eu gostaria de me encontrar.
De todas aquelas com as quais combinei algo, encontrei com talvez 60% delas, estatística até razoável. Mas tenho que considerar o fato de que eu tinha que insistir, remarcar, adaptar minha agenda, mesmo toda corrida e fora de rotina, à da pessoa. Os “bolos” foram diversos e diários. Em inúmeras oportunidades, eu reservava uma noite ou um sábado à tarde para encontrar uma pessoa, ou uma turma de amigos em comum, e justamente por isso, não marcava mais nada para aquele momento, e lá chegando, estes chegavam extremamente atrasados, ou simplesmente, não compareciam, sem nem mesmo avisar, ou dando uma desculpa esfarrapada.
Com muito otimismo, posso dizer que cumpri de forma eficiente e conforme programado, aproximadamente 30 a 40% de meus compromissos pessoais.
A falta de compromisso, responsabilidade e compreensão são de chocar, e até, traumatizar.
Chegando a Ubá, tive a sorte de estar ocorrendo o Festival Ary Barroso. Eram diversos artistas, com belas composições, belas interpretações, e muita qualidade musical. Além dos artistas pouco conhecidos, também houve dois grandes shows: Ed Motta e Milton Nascimento.
Ao adentrar no Horto Florestal, local do evento, percebi que ali não havia mais que algumas mil pessoas, talvez duas mil? Para piorar a situação, o ingresso era adquirido doando 1 quilo de alimento. Ou seja, comprava-se um pacote de feijão, fazia-se uma caridade, e assistia ao show do Milton Nascimento ou do Ed Motta, além de todas as outras belas músicas em disputa. Mas ali estavam singelas 2 mil pessoas. Isso não me indigna, nem me deixa raivoso. A única coisa que sinto é uma profunda tristeza que rompe os nervos da minha alma.
Como me disse um amigo de causas ontem à noite: Miguel, e essas músicas nunca tocarão nas rádios, pois lá só toca música de cultura de massas, como sertanejo universitário e coisas do gênero. Realmente, lamentável!
Claro que o Brasil é um país de maravilhas e nosso povo tem diversas qualidades. Estar no meu país é fantástico, e não dá vontade de ir embora novamente. Mas por trás da beleza disso tudo, realizar o exercício de lançar olhares críticos sobre as entrelinhas de nossos costumes, cultura e comportamentos, é um exercício doloroso e o resultado não é nada estimulante.
por Miguelito Nervoltado