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2Herói ou tirano?
Ditador sanguinário ou ultra-protetor nacionalista?
Creio que a primeira avaliação passa, infelizmente, pelo “lado político” que nos últimos tempos classifica as pessoas.
E hoje, infelizmente para um “esquerdopata” convicto, como eu, creio que a História absolveria Recep Erdogan e Bashar al-Assad, usando como trocadilho um dos textos mais conhecidos de Fidel.

Pra mim, Fidel Castro foi ambos: herói e tirano.
É impossível negar avanços sociais em Educação, Saúde e Segurança.
Principalmente para a parte mais carente da população cubana: até hoje o sistema de saúde é referência na América Latina e os índices estudantis também o são (aqui uma notícia da UNESCO. Cuba não participa do PISA).
O herói Fidel mudou a realidade de um país que, a menos de 150 quilômetros de distância dos Estados Unidos, servia há anos como “bordel” à cidadãos americanos. Antes da revolução, Cuba era conhecida por seus cassinos, hotéis de luxo e pela prostituição, diversão completa com praias deslumbrantes em mar caribenho…
Fidel e sua revolução mudaram a condição de milhares em Cuba.

O tirano Fidel, tomou propriedades, bens e meios de produção, nos anos seguintes à tomada do poder, para efetivar as melhorias, para fazer valer a revolução.
E obviamente isso não agradou aos burgueses e proprietários roubados. Que, aos muitos, deixaram o país nos êxodos observados nas décadas de 60 e 80, sobretudo para os Estados Unidos.
Difícil governar sem tirania e transformar o futuro dos compatriotas (ou companheiros) com o “peso” e a “pressão” dos outrora donos e mandantes americanos, com a própria irmã como informante da CIA, com um mundo dividido entre esquerda e direita (ou bem e mal).

1Mas o tirano venceu.
Enfrentou a maior potência mundial, seu boicote, seu bloqueio, seus golpes e assédios contra cidadãos.
Talvez pela extrema preocupação, o entusiasta do Nacionalismo negou-se ao permanecer no comando e tornar-se ditador, título que criticava nos primeiros anos de golpe e contestou como rótulo enquanto pode.
Escolheu o lado “mau”, a esquerda, representada pelo apoio soviético, não por afinidade direta; viu-se cercado de ameaças do lado “bom” e foi forçado a buscar uma saída para a produção agrícola da ilha. Arrisco dizer que após a escolha, percebeu o alinhamento com as teorias anunciadas na União Soviética e nos países sob sua influência.

O erro de Fidel, pra mim, foi exatamente esse: permanecer no poder por tempo demais.
Alguns estudiosos citam que o carisma e a firmeza o impediram de deixar o poder. Passando de General Comandante no período de transição a Primeiro Ministro e a Presidente no governo.
Mas não seria o mesmo carisma populista que vemos hoje em Ângela Merkel, que vai para o seu quarto mandato como chanceler Alemã e provavelmente passará de 15 anos no poder?
E não é o mesmo carisma buscado por muitos brasileiros que falam em intervenção militar ou num governante “salvador” e sobre-humano, ora Joaquim Barbosa, ora Sérgio Moro?
(Parêntese importante: será que não elegeríamos Sérgio Moro presidente? E que poderes ele teria como presidente-juiz-supremo do Brasil?)

“Lutar pela liberdade ou contra ela. Não é a mesma coisa”.
Fulgêncio Batista, o presidente anterior, ex-militar, perseguia dissidentes e usava de métodos severos de tortura aos oposicionistas. Fidel fez o mesmo, não na mesma intensidade, mas o fez como parte de um serviço de (contra-)inteligência necessária naquele momento.
Difícil defender isso hoje, eu sei.
Nem se lembrássemos que houve apoio popular, em toda a campanha da Sierra Maestra (ou guerrilha)? E o mesmo apoio não ocorreu anos depois, quando rebeldes apoiados e financiados pelos Estados Unidos invadiram a ilha?
Fidel e os revolucionários lutaram pela liberdade de um povo!

Aproveito e cito outra frase, dessa vez do filósofo e ativista Noam Chomsky: “A necessidade de possuir Cuba é a mais antiga questão da política externa norte-americana”.
Treinar e armar rebeldes, planejar atentados, bloquear todo e qualquer negócio de parceiros comerciais, mesmo contra a OMS e ONU, tomar parte de um território soberano e reconhecido internacionalmente para construir uma prisão, para presos políticos e terroristas… foram apenas alguns dos atos patrocinados pelos Estados Unidos a Cuba.
E, evidentemente, a mídia americana também contribuiu para a difamação e para a distorção. Alguém lembra de notícias falsas sobre a morte do ex-presidente cubano? (aqui uma notícia de 2015, aqui uma confusão de 2013)

Fidel era classe média alta.
Filho de um migrante espanhol, fazendeiro, produtor de cana-de-açúcar. Estudou em bons colégios, aprendeu inglês. Fatalmente seria bem-sucedido na Cuba-Americana, no país de Fulgêncio, dada a condição social e as oportunidades aproveitadas.
“Somos pessoas pobres num país rico”, frase dele, mostra a preocupação, então nova no continente, no terreno da justiça social, da distribuição de renda, da isonomia ansiada.

“Patria o Muerte!”
Isonomia atingida, mas aplastada.
A Revolução Social foi feita, mas depois do pão, o povo pede, fatalmente, o circo!
E a cobrança desse circo tirou um pouco o brilho das conquistas. Da ideologia. Da resistência. Da luta contra o imperialismo.

Abraço carinhoso entre os amigos Fidel e Mandela

Adeus Fidel!
Se nacionalizar companhias de eletricidade, de telefonia, fazendas, indústrias e até postos de gasolina não trouxe a integridade e a soberania nacional tão preconizadas por Marx… Se alcançar e distribuir o básico para o seu povo, incluindo uma educação de qualidade que os fez críticos… Se reduzir a desigualdade social gerou ainda desejos além do possível e atingível a todos… Paciência!
Certamente, valeu a intenção da semente*.

por Celsão correto

figuras retiradas do documentário da Fox – “Especial Fidel” e de post publicado aqui

(*) frase do escritor brasileiro Henfil (aqui)

 

Abraço carinhoso entre os amigos Fidel e Mandela

Abraço carinhoso entre os amigos Fidel e Mandela

Antes de mais nada, seguem aqui dois posts anteriores sobre Nelson Mandela:
1) Post mais antigo com uma dica fabulosa de leitura sobre a vida de Madiba. Clique AQUI
2) Nossa homenagem à Mandela em decorrência de seu falecimento. Clique AQUI

Esse artigo não é uma homenagem, nem um texto “bonitinho”. É um texto crítico, que tem a intenção de lembrar a história real de Mandela e despertar no leitor o interesse para uma auto-reflexão.

Não sei se eu tenho definições e valores muito estranhos, ou se a incoerência é uma das características mais marcantes da sociedade.

Por exemplo: Eu acho extremamente incoerente eu admirar alguém que tem como ídolos pessoas pelas quais eu tenho pavor, que eu considero péssimos seres humanos. Digamos que, a pessoa X tenha como ídolo, companheiro, exemplo, amigo, pessoas como Hitler, George Bush ou o general Pinochet. Seria uma extrema burrice, desinformação, alienação, babaquice e falta de coerência minha, admirar e ter como ídolo o senhor X, uma vez que eu tenho horror às pessoas que ele admira. Afinal de contas, um ídolo é algo muito forte, profundo, e desta forma, os valores, ética, sentimentos pelo mundo e pelos seres, têm que ser no mínimo compatíveis com os nossos (o fã).

Por que estou falando isso?
Bom, o mundo encontra-se de luto por ter perdido um dos seres mais magníficos de nossa história, Nelson Mandela.
Acompanhando meus amigos do facebook, vejo centenas de homenagens vindas de pessoas de diversas crenças e posicionamentos ideológicos.

Pois bem. Não sei se vocês sabem, mas Mandela fez uma política fortíssima de ações afirmativas na África do Sul visando retirar o desequilíbrio entre negros e brancos e acabar com o racismo. Mandela lutou, depois de sair da cadeia, pelos direitos dos homossexuais. Mandela foi feminista e lutou pelos direitos das mulheres no mundo. Mandela foi a favor de maior intervenção estatal, mais impostos para os mais ricos e menos impostos para os mais pobres, para que o Estado tivesse mais dinheiro e pudesse assim ajudar mais os mais necessitados.

Mandela foi amigo pessoal e profundo admirador de Fidel Castro, o ditador “sanguinário”, “terrível” para seu povo, e tão odiado por boa parte dos brasileiros e do mundo. Mandela elogiou a vida inteira a revolução cubana e a pessoa de Fidel. (Clicando AQUI, você pode ler o discurso de Mandela em Cuba após sair da prisão, onde ele tece inúmeros elogios e palavras de carinho e gratidão a Fidel Castro, ao povo cubano e à revolução cubana.)
Mandela era radicalmente socialista. Antes de ser preso, apoiou e lutou com os movimentos rebeldes na África do Sul liderados pelo  CNA (Congresso Nacional Africano) do qual foi fundador. Este movimento rebelde na África do Sul na década de 60, era muito parecido em ideais e intensidade com os que aconteciam em Cuba, mais ou menos na mesma época (inclusive, historiadores dizem que Mandela se inspirou na revolução cubana). Eram duas revoluções socialistas que visavam acabar com a exploração da elite sobre a população excluída. No caso da África do Sul, o foco era maior na luta racial, pois lá este problema era muito mais grave que em Cuba. (Leia mais AQUI)

Querem mais um exemplo? Mandela e Lula eram admiradores recíprocos. Lula teve a oportunidade de encontrá-lo algumas vezes. Lula se inspirou-se nas ações afirmativas de Mandela e adaptou ao Brasil, criando, entre várias outras políticas, a política de cotas por condição social e racial (negros e índios). Hoje, as cotas no Brasil são odiadas e criticadas pela classe média branca, os mesmos que estão de luto por Mandela….

Mandela elogiou em algumas oportunidades as conquistas do Brasil durante o governo Lula, e já disse até que outros países subdesenvolvidos e cheios de desigualdades deveriam se inspirar no governo brasileiro.

Lula é um profundo admirador de Mandela. E Mandela também admirava Lula….Mandela apoiou outros governantes que hoje em dia são vistos como demônios pelo mundo. Entre eles, Saddam Hussein. Sim minha gente, é isso mesmo. E o motivo é claro: Mandela sempre se posicionou contra qualquer tipo de exploração interpessoal e contra qualquer tipo de imperialismo. Desta forma, Mandela se posicionava categoricamente como oposição e resistência aos EUA, hegemônicos no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Como Saddam Hussein também lutava contra o mesmo inimigo, Mandela tinha apresso por ele, e dava certo apoio.

Aqui segue o melhor artigo, entre dezenas, que li nas últimas 24 horas sobre Mandela. Um pouco de sua história e da África do Sul. Países que apoiaram o Apartheid militarmente e ideologicamente. Governantes que foram oposição a Mandela e aqueles que foram companheiros de luta. Um artigo curto, porém com muita informação. Clique AQUI.

Se Mandela fosse brasileiro, seria tratado pela mídia e pela classe média local como “terrorista”, para falar o melhor dos adjetivos. E ainda estaria preso, se já não tivesse morrido na cadeia.
Eu sou fã e profundo admirador de Mandela JUSTAMENTE por isso tudo e todo o resto que ele fez e foi. E também sou admirador de todos aqueles que Mandela admirou.
Já uma boa parte da sociedade odeia o Lula, Fidel Castro, e outros colossos da esquerda. Mas têm Mandela como ídolo e exemplo.

Estão percebendo a incoerência? Vocês cortam com uma faca de um gume. Para um lado corta, para o outro amacia. Falta coerência no posicionamento da sociedade. E para essa falta de coerência só existem duas explicações plausíveis:
1) Alienação profunda que impregnou na sociedade pelo sistema educacional frágil e corrompido, e pela mídia bandida a serviço da elite exploradora e imperialista.
2) Uma falta profunda de honestidade intelectual, uma hipocrisia babaca, onde se defende aquilo que lhe traz benefícios individuais (nunca pensando no próximo) e não lhe prejudica a imagem frente à sociedade.

Aproveitem este momento lamentável da história, para fazerem um mínimo de auto-reflexão. Pois vocês estão a admirar um cara que deu sua vida pelo povo. Afastou-se deliberadamente da família e amigos pelos seus ideais maiores. Foi criticado, caçado, ficou 27 anos na prisão, sofreu torturas, foi chamado de tolo, utópico, inocente, bobo. Mandela foi um extremo radical socialista, ou se preferirem um extremo radical de esquerda!
Um cara que lutou não somente ideologicamente, mas sim militarmente. Fez revolução!!!!
E você? Consegue fazer algo mais que postar uma frase pronta de Mandela no seu mural? Consegue se esforçar para ser coerente? Consegue ao menos fazer o mais básico do básico: refletir e tentar melhorar você mesmo?

por Miguelito Nervoltado

figura daqui

medicos_1Algum tempo se passou desde os nossos posts sobre a vinda dos médicos cubanos (aqui e aqui).

Alguns médicos chegaram, estão em treinamento e devem começar a trabalhar ainda em Setembro.

O objetivo, como muitos sabem mas teimam em mascarar, é prestar um atendimento médico básico em municípios e regiões que não possuem esse serviço.

Agora gostaria de listar meus pontos de revolta, explicando também o porquê do título desse post:

Os médicos brasileiros seguem usando argumentos estúpidos e sem nexo contra a vinda de médicos estrangeiros, principalmente cubanos. Chegam a desconfiar da formação dos profissionais, falam de escravidão dos cubanos e hostilizam os profissionais/colegas de maneiras absurdas e sem a menor explicação lógica (cito como exemplo a entrevista com o presidente do sindicato de médicos do Ceará e a declaração presidente do CRM de minas negando auxílio profissional aos médicos estrangeiros)

– Outro presidente regional do conselho de medicina também disse à rádio CBN que não há condições para exercer a profissão. Disfarçando um falso apoio aos médicos estrangeiros, ele cita o fato dos médicos não virem com a família, a moradia na própria clínica ou região de trabalho e a impossibilidade de exercerem livremente a profissão em clínicas e hospitais particulares, como falta de condições ao exercício da medicina. Para o tal doutor, os médicos estrangeiros deveriam ter seus diplomas equiparados e validados para que pudessem clinicar onde e como lhes aprouvesse.

(Cinismo e hipocrisia dos mais graves! O tal presidente do conselho SABE que os médicos vem como prestadores de serviço do SUS e que o contrato é temporário. Enquanto não se formam mais profissionais no próprio país. É ridículo falar em trazer família, quando diversos outros programas temporários, como uma viagem de estudos ou um pós doc, não contemplam tal prática)

Querem fazer uma avaliação rigorosa técnica e do idioma. Oras… Enumeremos os médicos brasileiros que trabalharam na Amazônia sabendo falar as línguas locais! Não é imprescindível! Mesmo sem falar uma palavra no idioma, vidas podem ser salvas; e somente com atendimento básico! E contra a avaliação técnica, depõe o próprio conselho de medicina, que avalia os formandos brasileiros e sabe que a maioria não seria aprovada se o exame fosse obrigatório para se exercer a medicina. A própria Veja divulgou que o exame tem 90% de reprovação entre médicos brasileiros.

Os salários pagos aos cubanos serão muito baixos, caracterizando trabalho escravo. Aqui outro absurdo. Sabe-se que parte do valor do contrato de prestação de serviços de saúde será repassado ao governo da ilha, que investiu na formação e capacitação dos profissionais. Lá, eles estudam de graça, diferente do que ocorre por aqui; onde ou pagam-se mensalidades altíssimas (nas instituições privadas) ou escolas particulares e cursinhos pré-vestibulares (para ingressar nas públicas). Aqui e aqui também referências do provável valor da bolsa para os cubanos, que varia entre R$2500 e R$4000.

Não há como avaliar o médico estrangeiro. Outro argumento ridículo! Os médicos atenderão no mesmo local, de segunda a sexta-feira. Terão um real contato com os pacientes, bem diferente da rotina médica de um modo geral. Ora, os pacientes poderão avaliar o atendimento diretamente. Uma grávida em pré-Natal, um dependente químico, uma mãe que leva uma criança a um pediatra, agora terão um só médico para se consultar por um longo período. Hoje, os médicos que trabalham no SUS, trabalham também em muitos outros hospitais e clínicas, quando trabalham.

(Aqui um link para nosso post sobre o bate-ponto hospitalar. Aqui outro vídeo de escândalo semelhante no Rio de Janeiro. Os médicos, com acúmulo de 8, 10, 12 empregos, depois de pegos em flagrante, saíram escondidos nos bancos de trás dos carros de funcionários do hospital para não serem abordados pelo repórter)

Os médicos cubanos serão depois devolvidos a Cuba. Sim, lógico! Eu não usaria o verbo “devolver”, como se os profissionais fossem objetos; mas depois de prestarem o serviço contratado, que é a assistência médica básica em cidades e regiões carentes, os médicos retornarão a Cuba ou a qualquer outro país que contrate este tipo de serviço deles. Não é um visto ou emprego no Brasil, mas um contrato temporário com bolsa e auxílios. Ou seja, assim que os contratos (inicialmente de três anos) dos médicos estrangeiros (não só dos cubanos) terminarem, eles também voltarão aos países de origem.

Vale ressaltar que todas essas vagas foram oferecidas a médicos brasileiros, formados aqui e no exterior. Mas alguns acusaram o governo de ultraje por ter oferecido “apenas” R$10.000,00 de salário, além de auxílio moradia.

Mas, uma vez que a profissão permite, os médicos buscam o mais breve possível a independência financeira em detrimento ao bom atendimento médico para a população. Começam a carreira na residência, de preferência num hospital de ponta, para que o renome alcançado nos dois ou três anos os leve a hospitais privados. Daí, atrelado a uma especialização, abrem o próprio consultório. Pronto! Não é mais necessário trabalhar no SUS ou atender a convênios de saúde. A propaganda boca-a-boca e as indicações acumuladas no início da carreira são suficientes para crer que 15 salários mínimos seja uma afronta…

Enfim, os argumentos são muitos e a estória ainda será longa…

Faço aqui uma aposta: em breve notícias serão divulgadas contra esses profissionais. Ao menor deslize de qualquer deles, a Grande Mídia detonará o programa “Mais Médicos” e aparecerão os experts com as frases prontas de “Eu te disse!” ou “Eu sabia”.

É aguardar e conferir!

por Celsão revoltado

figura retirada daqui

Depois de acompanhar várias postagens de meus “amigos” do Facebook, e de ler algumas “curtas notícias” (pleonasmo no mais profundo sentido da palavra) que apareceram e continuam surgindo na mídia televisiva e escrita, sobre a possibilidade do governo Federal do Brasil fechar um acordo com o governo cubano, onde estes exportariam 6 mil médicos Cubanos para o Brasil, resolvi escrever um pouco sobre o assunto e indicar algumas leituras.

Inicialmente, tive contato com um artigo de uma das minhas fontes de informação mais visitadas. Li por alto, e não dei muita atenção, pois achei o assunto trivial (ou seja, julguei ser legal, fiquei satisfeito, e bola para frente). Mas daí começaram a surgir os movimentos em ondas nas redes sociais, os quais também me direcionaram às notícias da “grande mídia” (para quem não sabe, o presidente do Wikileaks, Julian Assange, aponta que 70% da mídia brasileira está nas mãos de 6 famílias  (*) ). Ao começar a ver esse movimento, comecei a me preocupar, mas não me surpreendi, pois afinal, envolve mais uma ação positiva do governo do PT, e para agravar ainda mais, envolve Cuba como parceiro, ou seja, a maior parte da classe média e da mídia convencional só poderia ser avassaladoramente contrária e crítica.
Mas ainda assim, deixei as águas rolares, sem entrar mais a fundo no assunto. Foi então que fui contactado por um parente da área da saúde, que pediu-me para abrir dois links sobre o assunto, e sugeriu-me a postagem no meu blog. Os dois links eram de petições públicas dos conselhos de Medicina, exigindo maior rigorosidade na avaliação e controle dos médicos estrangeiros que almejam adentrar no mercado brasileiro.
Esse meu parente, não viu relação direta com o caso de Cuba, mas eu vi, pois há! Ou então é mais uma daquelas coincidências que as pessoas insistem em fingir que acreditam, onde duas petições do conselho de medicina brasileiro são criadas justamente quando explode um movimento social contra a vinda de médicos cubanos para o Brasil. É coincidência demais para meu bom senso, ainda mais sabendo como as coisas funcionam (mídia derruba, classe média chuta, pobres pedem pênalti, e a elite come pipoca e se diverte).

Os argumentos do grupo de pessoas que são contrárias à vinda dos cubanos ao Brasil, seguem um padrão estereótipo, por parte deste mesmo grupo, de reação contrária a qualquer ação voltada para o social (tendência de esquerda). Os argumentos são:

  1. Não tem nada a ver com os cubanos, mas sim uma necessidade geral de se regular e controlar a entrada de médicos estrangeiros no Brasil, sem que os médicos brasileiros sejam injustamente prejudicados.
  2. Os cubanos irão adentrar no mercado sem o devido preparo, sem realizar os mesmos testes exigidos aos brasileiros.
  3. Que o governo Federal prefere trazer cubanos despreparados para cá, a tentar solucionar os problemas do Brasil com os muitos profissionais que já possuímos.
  4. Que o governo Federal prefere trazer cubanos despreparados, que melhorar as condições para que os médicos brasileiros queiram trabalhar em regiões carentes.
  5. Que esse governo sempre encontra uma maneira de fazer alianças com países atrasados, e de política ditatorial e autocrata, gastando dinheiro com pactos medíocres com estes países, ao invés de investir nas áreas que são realmente importantes para a sociedade.
  6. Que trazer médicos de fora, ainda mais despreparados, não irá ajudar em nada.
  7. Que a vinda deste médicos piorará a qualidade da medicina do país.
  8. Que a medicina cubana é atrasada e ineficiente.
  9. Que essa é uma ação parecida com as tantas bolsas que o governo oferece, que em nada melhora realmente, só coloca panos quentes nas feridas.
  10. Que esses estrangeiros que vêm dos países em crise (Espanha, Portugal, etc), ou de países pobres como Cuba, se sujeitam a trabalhar por salários mais baixos, e assim prejudicam os profissionais locais, roubando seus postos de trabalho (veja minha análise no nível 8 abaixo).

E eu poderia continuar estendendo minha lista de argumentos e reclamações corriqueiras.

Porém, se analisarmos mais friamente, usando dados internacionais, de órgãos responsáveis por medir e avaliar sociedades, ou pensarmos de forma racional, tentando enxergar a realidade como ela realmente é, sem utopias, veremos que existem diversos equívocos nestas formas de condução do raciocínio expostas acima.
Vejamos alguns pontos:

  1. Sim, o movimento de reação contrária é, principalmente, por causa dos cubanos, pois quase não se vê reclamações contra os médicos portugueses e espanhóis, entre outros, que também vêm às centenas ou milhares para o Brasil. Mas obviamente, o conselho de Medicina jamais citaria especificamente os cubanos, pois daí ficaria clara a discriminação e o preconceito, então, fazem uma petições que abranja todos.
  2. Cuba exporta médicos para 69 países do mundo, no total são 32 mil médicos pelo mundo. Em alguns destes países, onde estes médicos já atuam por mais tempo, os resultados destes programas já são conhecidos, e sempre, extremamente positivos, melhorando radicalmente as estatísticas relativas à saúde nestes países, como taxa de mortalidade e expectativa de vida.
  3. Cuba é o país que mais tem médicos distribuídos pelo mundo, e graças a isso várias catástrofes sociais já foram evitadas nos últimos 40 anos.
  4. Segundo a OMS (Organização Mundial de saúde), Cuba tem o melhor sistema de saúde da América Latina (apesar de muitos dizerem que os médicos de lá são despreparados, e os equipamentos são rudimentares).
  5. Os médicos cubanos que possivelmente virão ao Brasil, virão para atuar em áreas carentes. É isso que eles fazem pelo mundo. E pelo que os dados dizem, eles o fazem por ideologia, pois querem prestar um serviço grandioso aos países mais necessitados nessa área. Os cubanos não vêm ao Brasil para trabalhar no sírio-libanês ou no Albert Einstein.
  6. Como eles vão para regiões carentes, eles vão tratar principalmente de problemas corriqueiros, mas que tiram milhares de vidas anualmente devido a inexistência de um sistema de saúde MÍNIMO nessas regiões. Problemas como diarreia, verminoses, inflamações, infecções simples, desidratação, febre, gripe, etc, parecem simples para quem tem um mínimo de acesso, mas lá, tiram vidas!
  7. Os médicos brasileiros não vão para lá, pois não veem nestes lugares um local com um mínimo de condições para exercerem seu trabalho. Então, argumenta-se que o governo deveria melhorar as condições ao invés de trazerem gente de fora que se sujeite a fazer isso, certo? Bom, quais as opções?
    A) Acabar com a pobreza e miséria, pois só assim daríamos condições para que os médicos possam trabalhar nestes locais com um mínimo de dignidade. Mas não se acaba com a pobreza e miséria dum dia para o outro!!! Isso demora décadas, séculos, ou às vezes, nunca acaba. Ou seja, vamos dizer para essas famílias aguentarem uns séculos, até o governo conseguir extinguir a miséria no país, né?  Vejam o artigo (***) que mostra a distribuicao de médicos pelo nosso país, e vejam que, enquanto Sao Paulo, DF, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul tem média de 3 médicos para cada 1000 habitantes, enquanto Maranhao, Pará, Amapá, Amazonas, Acre, tem média menor que 1 médico para cada 1000 habitantes. 
    B) Ou seria “Melhores condições para os médicos” = “maiores salários”? Pois isso já existe. Mas mesmo assim, é relativo. Digamos que um médico que ganha 10 mil reais no Rio de Janeiro, tem a possibilidade de ir para o Acre ganhar 13 mil reais. Será que ele vai? Aí diz-se: pô, mas então pague 20 mil para o cara! Caramba, que governo sustenta isso? Não dá gente! Os cubanos se sujeitam a fazer o que os brasileiros não querem. E não é porque o Fidel é impiedoso! Eles fazem, pois são treinados para isso, foram educados formalmente e academicamente para fazer isso, por salários normais, sem exigirem fortunas, pois acreditam que estão fazendo um bem para as populações carentes do mundo, e estão de fato!
  8. Engraçado como o brasileiro pensa. Ficam indignados quando países europeus e EUA estabelecem forte controle e burocracia para brasileiros que querem trabalhar nestes países. Mas daí, quando estrangeiros querem vir para o Brasil, esses mesmos que gostariam de ter-lhes aplicado menor controle no exterior, exigem mais controle do Brasil aos estrangeiros. Sempre olhando para o próprio umbigo!
  9. E o controle feito sobre esses estrangeiros no Brasil, será que é realmente fraco? Os dados mostram exatamente o contrário. Que no Brasil, reprova-se muito mais médicos estrangeiros que em Portugal, por exemplo. (**) 

Por fim, a diferença de linhas de raciocínio se resume em:
De um lado as pessoas que aspiram melhorias sociais como um todo, e consideram o problema do próximo, como também seu problema, e sonham por viver em um mundo mais igualitário e justo.
De outro lado, grupo de pessoas que não tratam dessas questões como prioridade em suas vidas, e vivem principalmente dentro de seu individualismo, e tudo que possa trazer qualquer tipo de ameaça para si, por menor que seja essa ameaça  mesmo que traga um grande benefício para a sociedade como um todo, receberá sua crítica fervorosa e repulsiva, e buscarão argumentos retóricos para defenderem sua posição individualista.
obs.: Poderíamos também criar um terceiro grupo, de pessoas que são consumidas pela rotina capitalista, trabalham como loucos, e devido à falta de tempo, se informam pouco, e mal, sempre consumindo o que vem na mídia convencional, e assim, acabam por apoiar estes movimentos. Mas eu ainda prefiro unir este grupo, ao segundo grupo, ou seja, dos individualistas.

(*) http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-bom-que-os–governos-tenham-medo-das-pessoas-,992367,0.htm (entrevista com Julian Assange – Wikileaks)

(**) http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-questao-da-vinda-dos-medicos-cubanos-para-o-brasil (médico brasileiro que vive em Portugal, fala com conhecimento de causa sobre o assunto, desmitificando alguns argumentos usados no Brasil)

(***) http://www.viomundo.com.br/politica/pedro-porfirio-por-que-os-medicos-cubanos-assustam.html (Inúmeros dados e verdades sobre a medicina de Cuba, e sobre a política de Cuba de exportar médicos para ajudas sociais. Além disso, dados de distribuição do acesso à medicina no Brasil)

por Miguelito Formador