Ocorreu em Erlangen na Alemanha, de 12 a 15 de outubro de 2016, o IV Encontro Mundial de Escritores Brasileiros no Exterior, coordenado pela Drª Else R. P. Vieira, professora na Queen Mary University de Londres.
O evento reuni há 4 anos escritores brasileiros residentes no exterior. Neste ano tive a honra de ser convidado e participar, expondo o meu trabalho como articulista.
Para minha apresentação, refleti sobre possíveis temas e assuntos que melhor representassem minha linha de abordagem escrita. Escolhi assim como tema: filosofia, sociedade e senso crítico. Como gênero escolhi: texto expositivo e resenha crítica.
O título escolhido foi: A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal.
O amigo Celsão, coincidentemente de passagem por Erlangen, pôde estar presente no último dia do evento, sábado 15 de outubro, dia de minha apresentação. Para quem ainda não leu, clique AQUI para acessar o inspirador artigo dele, que contém uma perfeita dosagem lírica, expondo suas impressões sobre o evento.
Para preparar minha apresentação, redigi um texto base, com o conteúdo que eu desejava expor. Segue abaixo o texto.
***************************************************************************************************
O conteúdo, assim como a mensagem a ser transmitida, estão resumidos no título da apresentação.
O título “A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal”, une algumas ideias, conceitos e compreensões que penso serem de enorme importância para a formação de pessoas mais humanas e cidadãs.
Na medida em que eu for desenvolvendo o raciocínio, explicarei o significado de cada parte do título, e como elas se encontram formando uma proposta mais ampla.
“A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal”
No livro O Mundo de Sofia, a garota Sofia começa a receber cartas de um misterioso “professor”, onde lhes vão sendo apresentadas gradativamente reflexões, perguntas críticas, e um resumo básico da história da filosofia, as principais correntes filosóficas que já existiram e os principais filósofos na perspectiva do professor. O Mundo de Sofia visa despertar o pensamento crítico no leitor, além de fornecer a oportunidade de entrar em contato com as belezas da filosofia. Penso que O Mundo de Sofia deveria ser material obrigatório na formação do caráter de qualquer cidadão. (Leia também AQUI outro artigo onde menciono O Mundo de Sofia e traço comparações entre passagens filosóficas e a situação política do Brasil no começo de 2016)
A palavra “filosofia” (philos = aquele que ama e sophia = sabedoria), tem origem no grego. A junção das duas expressões philos + sophia gera a palavra filosofia, que significa “aquele que ama a sabedoria”.
Portanto, a influência da filosofia nesta apresentação está principalmente, mas não somente, presente no nome Sofia em meu título.
“A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal”
Bruma é o mesmo que nevoeiro, ou cortina de neblina. Como na fábula do Rei Arthur e as sacerdotisas da Ilha de Avalon, as brumas de Avalon, são uma cortina de fumaça que não permitem as pessoas enxergar a ilha de Avalon, escondida atrás das brumas do lago.
As Brumas indicam no título, portanto, a cortina de fumaça, o nevoeiro, que impede que as pessoas enxerguem a realidade. São os fatores que obstruem nossa melhor compreensão do mundo ao nosso redor, e causam uma cegueira interior, uma cegueira para com nosso autoconhecimento. É a alienação, que nos impede de alcançar Sofia, a sabedoria.
Além dos fatores pessoais, como o ego, nossos medos, traumas, inveja, etc, a nossa alienação é fruto de sistemas educacionais degradados e abandonados; fruto da manipulação feita pela grande mídia deteriorada, bandida, antidemocrática e a serviço de uma minoria absoluta da sociedade, mas detentora de todo o Poder, a elite; e fruto da histórica e eterna manipulação da forma de pensar das sociedades através das igrejas, que inserem seus dogmas em detrimento da ciência.
Estes três fatores são os principais responsáveis por uma sociedade alienada e praticamente desprovida de senso crítico. Uma sociedade imersa nas Brumas, e incapaz de alcançar Sofia.
“A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal”
Baseado num artigo postado neste blog em junho de 2014, A Era das Opiniões reflete uma sociedade pouco crítica, pouco intelectualizada, e muito alienada, que de repente se depara com um amontoado de informações caóticas de fácil e rápido acesso. Esta sociedade então, tendo disponível muita oferta de informações, valoriza pouco as mesmas, seguindo a lei econômica da Oferta X Demanda. Esta mesma sociedade também é incapaz, devido ao seu baixo senso crítico e baixa carga de conhecimento, de distinguir em meio a tantas informações, quais são valiosas e quais não; quais lhes agregam valor e conhecimento, e quais só lhes confundem e alienam.
Para entender melhor este termo que envolve algumas reflexões, sugiro a leitura do artigo de junho de 2014, “A Era das opiniões: direitos e deveres”, clicando AQUI.
“A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal”
Há um documentário que me marcou muito, feito pelo filósofo Roger Scruton, chamado “Why Beauty Matters?” (por que a beleza importa?). Em uma das brilhantes passagens neste documentário, Scruton afirma o seguinte: “…Em nossa cultura democrática, as pessoas frequentemente pensam ser desrespeitoso julgar o gosto ou a opinião de outros. Alguns se sentem até ofendidos com a sugestão de que existe “gosto bom” e “gosto ruim”…”
Clique AQUI para acessar minha resenha sobre este documentário, postado também neste blog.
Tomando a liberdade de abrir o leque do que foi proposto por Scruton, da mesma maneira que é sim possível e prudente definir certas coisas como “bom” ou “ruim”, é também prudente diferenciarmos em muitas situações ou temas, o “certo” do “errado”, o “feio” do “bonito”, o “bem“ do “mal”.
É claro que nem sempre existe certo e errado, ou feio e bonito, e há muitas questões que são subjetivas, ou até mesmo tão complexas que é possível haver diversos caminhos de pensamento possíveis. Mas temos que analisar cada situação, cada tema, individualmente, para sabermos onde é, ou não, possível definir verdades e certezas.
Usar o argumento clichê de que “não existem verdades, tudo na vida é relativo”, é um sinal de pobreza intelectual e argumentativa, onde busca-se generalizar tudo, negando o conhecimento e valores ético-morais. Isso é ruim para o debate, atrasando o avanço intelectual das sociedades. Com essas generalizações vem a negação à ciência.
Nesta mesma linha, sabendo-se da desvalorização que as opiniões sofreram nos dias de hoje, estando inclusas aqui informações de cunho metodológico e com propriedade; e sabendo-se que existe um senso comum que afirma não existir “certo ou errado”, chegamos a algumas máximas dos tempos atuais: “Respeite minha opinião, pois não existe opinião certa ou errada”. Ou, “todo mundo tem direito de emitir opinião”.
“Eu discordo do que você diz, mas vou defender até a morte seu direito de o continuar dizendo”. Essa frase foi escrita por Evelyn Hall em seu livro biográfico sobre o filósofo francês Voltaire.
Portanto, a proposta não é a censura das opiniões alheias, muito pelo contrário, a liberdade de expressão é um dos bens mais preciosos que uma sociedade pode alcançar.
A proposta é alertar a sociedade sobre a importância de um pensamento coletivo crítico no sentido de que, liberdade vem atrelada a responsabilidades. Se a sociedade, o governo, as leis lhe dão liberdade para agir ou falar como bem entender, isso significa que você, à partir deste momento, tem que conhecer os seus limites, os limites do próximo, e ter noção de cidadania e convivialidade. Senão, alguém vai precisar intervir contra você para garantir a liberdade e os direitos dos outros. Afinal, você tem liberdade sim, mas o que acontece quando ela invade a liberdade de outra pessoa? Quem tem mais direito à liberdade, você ou o outro?
Isso se aplica não só às afirmações que nós fazemos na forma falada, mas também naquilo que escrevemos. Também devemos nos atentar às correntes de e-mail e whatsapp que reenviamos a nossos conhecidos, assim como os posts que curtimos e compartilhamos no facebook, twiter, instagram, pois ao reenviar, curtir ou compartilhar algo, estamos dando nosso atestado de concordância, ou ao menos dando fortes indícios de que achamos aquilo importante, interessante, engraçado, etc.
Lembremos que meu foco é no bombardeio de informações que diluem o conhecimento epistemológico no meio do mar de opiniões; também da incapacidade da sociedade de separar o joio do trigo.
Claro que é importante analisar a importância do ego na sociedade atual, a superficialidade não só das informações, mas também das relações como bem trata o pensador polonês Zygmunt Bauman (nossas vidas são líquidas), o fortalecimento da elite e sua capacidade de manutenção do status quo, a intensificação do sistema capitalista selvagem que suga todo o tempo do ser humano em seus afazeres diários, sobrando pouco tempo para assuntos infelizmente secundários, como a cultura, intelectualidade, a reflexão e crítica do mundo ao seu redor; e tantas outras questões deveriam ser levadas em conta para entendermos melhor a proposta aqui apresentada.
Conclusão:
Resumindo tudo que foi apresentado, pode-se dizer que:
- Há uma oferta demasiada de informações, e utilizando a lei da procura, oferta alta gera desvalorização do produto, ou seja, as informações perdem valor.
- A grande quantidade de informações disponíveis, faz com que aquelas estruturadas numa metodologia científica, sejam diluídas no mar de opiniões e pontos de vista subjetivos.
- A falta de senso crítico presente na sociedade, devido ao péssimo sistema educacional, uma mídia e igrejas manipuladoras, geram não somente mais cidadãos falando “pelos cotovelos” e emitindo suas opiniões aos quatro cantos do mundo, mas também geram uma incapacidade destes cidadãos de separarem o joio do trigo (separar o que é opinião daquilo que é fato/ciência).
- Clichês se tornam máxima na sociedade: “respeite minha opinião”, “não existe certo e errado”, “isso é questão de opinião”, “isso é questão de gosto”, “tudo depende”. Esses clichês empobrecem o debate e atrasam o avanço e desenvolvimento intelectual das sociedades, pois ignoram e desrespeitam as ciências, o conhecimento epistemológico, a intelectualidade.
- Não devemos censurar opiniões ou reduzir o direito das pessoas de emitir julgamento e se expressarem. Mas entender a Era das Opiniões, compreendendo e reconhecendo os problemas seríssimos que esta traz para a sociedade atual, é importante para que possamos debater sobre tais questões e adquiramos consciência da importância de um aumento de nosso senso crítico, e para que entendamos os perigos e prejuízos que as nossas opiniões (e as opiniões daqueles ao nosso redor) emitidas sem consciência, podem causar à sociedade e ao próximo.
Portanto, a proposta do trabalho “A Era das Opiniões: As Brumas de Sofia entre o bem e o mal” foi trazer a ideia de que vivemos na “Era das Opiniões”, onde a liberdade de expressão e os meios de comunicação modernos (internet, redes sociais) permitem a qualquer pessoa emitir opinião sobre tudo, tendo ele conhecimento ou não sobre o assunto, o que banaliza a informação, e esta perde seu valor, seguindo a lei da oferta x procura.
Este bombardeio de informações chega a uma sociedade alienada e manipulada, incapaz de enxergar as verdades devido a sua cegueira (as brumas), e por isso impedida de atingir o verdadeiro conhecimento, ou a sabedoria (Sofia). Por consequência, esta sociedade tem uma profunda dificuldade de fazer julgamentos críticos e racionais, e não consegue diferenciar o bom do ruim, a verdade da mentira, a crença da ciência, e “o bem do mal”.
Na Era das Opiniões, a sabedoria fica encoberta por um nevoeiro, dificultando a distinção entre o bem e o mal.
por Miguelito filosófico
figura: foto da própria apresentação