Era mais do que sabido.
Seca prolongada, ausência de planejamento, de reformas e de novos investimentos, base de geração hídrica, pressão para aumento de consumo interno…
Deu no que deu. Apagão em onze estados, ocorrido através de corte de fornecimento feito pelas geradoras por ordem do operador nacional do sistema (chamado ONS).
Pouco interessa agora se as falhas ocorreram na geração, devido aos baixos níveis das represas; na transmissão para as residências, graças a falhas técnicas; ou se foi uma ação “para evitar o pior”, como foi divulgado pela diretoria do ONS (aqui)
Negar o apagão, chamar de corte seletivo de carga no fornecimento, tampouco me parecem estratégias interessantes; já que teremos um ano de baixo crescimento econômico. Se não investimos para fazer ajustes ou reformas necessárias e nos prepararmos para estiagens prolongadas, por exemplo, não acho aceitável culpar São Pedro, o verão ou estagiários pelas falhas que tendem a se multiplicar.
O que falta é cultura, é o “clic” num povo acostumado a ter água e energia elétrica baratas e em abundância.
Em nosso país, a energia elétrica é algo “mágico”. Basta haver uma nova requisição, por exemplo, através do acionamento de um interruptor e, pronto! A luz acende instantaneamente; não importando se aqueles 16 ou 20W a mais vêm da Usina de Paulo Afonso na Bahia, de Angra dos Reis ou de Jirau em Rondônia.
Para a água é a mesma coisa. Nos acostumamos a banhos demorados em casa e a lavar carros, calçadas ou regar plantas com a mangueira ligada o tempo todo. É trágico e comum, mesmo hoje, encontrar pessoas na região metropolitana de São Paulo, com a mangueira a desperdiçar água dentro da própria garagem, enquanto atende ao telefone, busca uma vassoura…
E já que o tal “clic” não acontece quando alguém reprime o desperdício avisando da escassez atual, vai ocorrer, infelizmente, quando essa pessoa não tiver mais água limpa para o banho ou tiver de usar água dessalinizada para lavar roupas.
É um quadro real e está mais próximo do que imaginamos, lamentavelmente.
Para exemplificar parte dos problemas, recomendo a leitura de um excelente artigo, que recebi pela primeira vez em abril passado e tive a feliz sorte de reencontrar (aqui). É uma aula sobre a crise da água, sobretudo se tomarmos os links indicados pelo Leandro.
O autor/repórter enumera diversos problemas, além da estiagem atacada por todos. Para mim, o principal e crucial é a falta de planejamento das nossas cidades.
Defendo que as cidades precisam ter um limite, crescer até determinado ponto para não esgotar os recursos naturais do entorno e não complicar toda a estrutura logística de manutenção da própria cidade. Logicamente é muito mais factível coordenar transporte, segurança, iluminação, saúde pública, educação numa cidade de 500 mil habitantes do que numa cidade de dois milhões. São Paulo e sua ainda crescente e desordenada expansão é inviável para o poder público em todos os aspectos listados acima.
Outro ponto interessante levantado na leitura do site Cosmopista (aqui e aqui) é a mudança de gestão da Sabesp, empresa de águas do estado de São Paulo, que passou a ter ações na Bolsa e focar no lucro puro e simples, priorizando seus acionistas, ao invés de cumprir o papel a que foi criada (tratamento e distribuição de água).
Maximizar lucros sem investimentos de expansão, manutenção ou redução do desperdício é adiar um problema, ou acender uma bomba com um pavio bem longo. O problema pode até “pular” algumas gestões, mas indubitavelmente, vai aparecer. Apesar de não concordar com todos os argumentos ou “mitos” levantados pelo site, tornar uma empresa essencial privada, é de extremo mau gosto (pra dizer o mínimo).
Mas não sou do tipo “matuto” que culpa o desenvolvimento social e a “nova classe média com seus aparelhos de ar condicionado” pelo pico de consumo.
Creio ser natural e inevitável no ser humano o desejo “por mais” ou o desejo de conforto, após sanadas as necessidades básicas como alimentação e moradia. Privar uma mulher de comprar um secador de cabelos, uma família de ter uma nova TV ou toda a sorte de aparelhos na cozinha, é impedir paralelamente o desenvolvimento do próprio mercado interno.
O que poderíamos fazer é avançar nos programas de eficiência energética, tornando o consumo mais inteligente e eficiente ao invés de limitá-lo.
Usando um exemplo, toda geladeira hoje possui o selo “A” do Procel. Por que não “rebaixar” todas para “D” e passar a exigir uma melhor eficiência por kilowatt consumido?
Outro exemplo, este mais utópico, por que não separarmos a água utilizada no banho ou pia para a descarga, ou mesmo para lavagens externas em prédios? Estudos de dez anos atrás já mostravam a viabilidade de caixas d’água intermediárias para este fim.
Sem falar no potencial das energias alternativas, que, apesar do alto valor inicial a investir, tem menor impacto ambiental e menor custo de megawatt gerado que as termelétricas emergenciais a óleo que temos utilizado.
Bem… ao menos o governador Alckmin admitiu que a situação atual é de racionamento (ou de restrição de fornecimento, usando palavras dele), primeiro passo para evitar o pior desabastecimento da história.
Agora é trabalhar na viabilização das energias alternativas, nas novas usinas, novos contratos de transmissão, na redução dos desperdícios e na conscientização ou “clic” na população para voltarmos ao patamar de fornecimento anterior, sem os riscos de privação.
Só isso?!?
Não. Isso é só o começo.
por Celsão correto
figura retirada daqui