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Dança_AlemãDurante a Copa do Mundo de 2014, a postura dos alemães, dentro e fora do campo, foi admirável. Os jogadores apresentaram, num geral, um jogo limpo, inteligente e eficiente, e por isso, foram merecedores do título conquistado. Fora do jogo, esses mesmos jogadores sempre deram declarações educadas e humildes, foram simpáticos com os fãs, brincaram com crianças, distribuíram sorrisos. Depois do massacre de 7×1 contra o Brasil, alguns jogadores alemães mencionaram que esse episódio foi uma eventualidade e que o Brasil continua sendo a inspiração para eles no futebol.
Também a torcida alemã que esteve no Brasil mostrou muita civilidade. Poucas ou nenhuma reclamação existe contra eles, que souberam se comportar de forma bem respeitosa após as vitórias consecutivas.

Na Alemanha, país onde vivo neste momento de minha vida, também foi bem parecido. Claro que brincadeiras acontecem, é normal e saudável. Mas os alemães têm uma boa noção de espaço e liberdade, e por isso, a maior parte das brincadeiras foram leves, quando houveram. Muitos alemães que me encontraram nos dias que se sucederam ao jogo, nem lembraram de mencionar o episódio. Na maior parte das vezes o que eu ouvi foi: “E aí Miguel, o que aconteceu com o Brasil?”, seguido de um sorriso leve de deboche. Ou seja, brincadeira saudável, muito longe de exceder quaisquer limites.

Também teve uma grande parcela que ao invés de “zoar”, foram solidários. Muitos alemães me contaram que após o terceiro gol começaram a torcer para a Alemanha não fazer mais, pois o Brasil não merecia essa humilhação. Disseram que foi uma grande infelicidade o jogo.
No dia seguinte após a derrota brasileira, ao abrir a porta de casa, deparei-me com um pratinho cheio de chocolates no chão, e com um bilhetinho com os dizeres: “curativo de alegria”. Eram meus vizinhos, que imaginando como eu deveria estar triste, me presentearam com chocolates, que diz-se trazer alegria devido a reações que provoca em nosso organismo.

Bem, dito isso, chegamos ao dia de hoje, 16.07.2014, quando durante as comemorações da seleção alemã em Berlin, 6 jogadores (Mario Götze, Miroslav Klose, Toni Kroos, André Schürrle, Shkodran Mustafi e Roman Weidenfeller) fizeram uma dança bem polêmica. De corpo ereto e cabeça erguida, eles andavam e cantavam em alemão: “assim andam os alemães, os alemães andam assim”. E na sequência, inclinavam o corpo para baixo e baixavam a cabeça cantando “assim andam os gaúchos, os gaúchos andam assim”. O termo gaúcho se refere aos argentinos.

Esse episódio gerou todos os tipos de reações.
Os que são contra chegaram até a falar que os alemães estavam imitando macacos ou homens primitivos ao andarem corcundas, num ato de profundo racismo e nazismo.
Pelo lado dos que são a favor, dizem que foi uma brincadeira saudável e inocente, sem qualquer tipo de conotação pejorativa.
Já eu, penso que a resposta esteja no meio do caminho entre estes dois extremos.

O fato é que essa música/dança é uma brincadeira de crianças na Alemanha, e que acabou sendo “absorvida” pelos esportes, principalmente o futebol, já há bastante tempo. É normal uma torcida alemã tirar sarro com outra torcida alemã durante um jogo usando essa mesma música e dança. Portanto, definitivamente, não é algo nazista, nem racista, nem tem qualquer conexão com macaco.

Porém, devemos lembrar que uma coisa é uma torcida tirar sarro de outra. Outra coisa são jogadores, colegas de profissão, que deveriam se respeitar em todos os sentidos, tirarem sarro de outros jogadores, com brincadeiras que sugerem abatimento ou até mesmo, inferioridade. Ao se tratar então de jogadores da seleção de um país, que além de atletas, são representantes da nação naquele momento, a situação se agrava ainda mais, pois esse atleta passa a ter automaticamente responsabilidades, desvinculadas do esporte, para com a sociedade e a Nação como um todo. Debochar ou fazer agressões a outros jogadores é uma postura anti-ética.

Além disso tudo, a Europa tem dívidas infindáveis históricas com a América Latina, assim como com a África e algumas regiões da Ásia. Portanto, quando alguém que está representando uma nação européia, e neste caso, a maior potência da Europa e palco no passado da Primeira e Segunda Guerra Mundial, deveria se policiar e refletir mais antes de fazer brincadeiras polêmicas em frente a câmeras de TV do mundo inteiro, com risco de ser muito mal interpretado, dando abertura para reforçar velhos estereótipos, como os de: Nazistas, preconceituosos, prepotentes.
Pois não estamos a tratar de futebol somente, mas de esportes, de sociedades, de história, de patriotismo, de antropologia, de oprimidos e opressores, de ricos e pobres, e muito mais.
Perceba que existe uma linha tênue que conecta todos estes temas.

“Não façamos drama, de repente foi só uma brincadeira ingênua!”.
Bom, com relação a agir de forma ingênua, desatenciosa, imatura, sem maldade, sem medir as consequências de seus atos, indico novamente uma leitura já indicada algumas vezes aqui no nosso blog. Clique AQUI.
Penso que o maior mal do mundo esteja justamente aí, na falta de atenção com que agimos em nossa rotina diária.

“Ah, é só piada, humor, vamos levar na esportiva!”.
Até mesmo para o humor há limites. Se o humor agride direta- ou indiretamente grupos de minorias, esse humor está a reforçar as injustiças do mundo, e portanto, deveria ser repudiado. Clique AQUI e veja nosso post sobre isso, com a dica de um excelente documentário.

Resumindo: mesmo que na inocência, ou imaturidade, ou impulso, esses jogadores foram bastante inconsequentes e infelizes com a escolha da comemoração. Não é grave, mas é lamentável, pois a Alemanha poderia ter saído invicta, não somente nos jogos, mas também no “fair play”.

ps: Para ler uma crítica sobre o “drama” feito devido à comemoração alemã, clique AQUI. E para ler uma visão mais crítica quanto à dança, clique AQUI.

por Miguelito Formador