Daqui de longe, não pude assistir ao vivo as entrevistas do Jornal Nacional com os presidenciáveis. Porém, num fim de tarde, assisti às 3 principais de uma vez só através da internet. O fiz na sequência: Aécio, Campos e Dilma.
Num primeiro momento, notei pouca discrepância na conduta das entrevistas, e pensei até estar havendo bastante imparcialidade por parte dos entrevistadores. Mas depois, revi alguns trechos das três, e já comecei a notar leves diferenças, nuances que exigem muita atenção para serem notadas.
Daí, para complementar, busquei artigos críticos, artigos estes escritos por especialistas no assunto, para tirar a dúvida se algumas mensagens escritas nas entrelinhas me passaram despercebidas. O resultado foi que sim, eu fui feito mais de bobo do que eu imaginava.
Quero abordar dois pontos específicos:
O primeiro é a conduta padrão dos entrevistadores em todas as entrevistas.
O Segundo é a diferença das entrevistas de Campos e Aécio, comparativamente com a entrevista da Presidente Dilma.
Conduta padrão das entrevistas
Os entrevistadores fazem perguntas já indicando qual a resposta correta, inserindo nas perguntas uma série de premissas nas quais querem nos fazer crer como verdades. Assim, o telespectador já é previamente induzido a pensar na solução para a pergunta, e aguarda que o entrevistado responda aquilo que espera. Caso isso não ocorra, o telespectador se frustrará e achará que o candidato está viajando na maionese, e portanto, está despreparado.
Não por coincidência, mas muito bem premeditado e em sintonia com o editorial e ideologias da emissora, essas premissas/preconceitos inseridos nas perguntas, levam normalmente a crer que ações neoliberais, pró-capitalismo, a favor das grandes empresas, contra os direitos trabalhistas, a favor da austeridade, a favor do capital estrangeiro, contra um Estado forte e protecionista, contra os avanços sociais, contra uma sociedade mais justa e igualitária, seriam as ações corretas para solucionar os problemas.
Exemplos:
1. Entrevista com Aécio Neves (Clique AQUI)
a) Na primeira pergunta de Bonner ele diz que, segundo economistas, para resolver os “problemas” da economia brasileira é necessário que o Governo realize um corte profundo de gastos, ou seja, assumir políticas de austeridade. E então pergunta a Aécio, se ele terá coragem de tomar tais medidas, ou não as tomará para não ser impopular.
-> Ora bolas, onde está a opção de resposta: “Bonner, discordo que austeridade seja necessária para resolver problemas econômicos!”?
Bonner assume que só há um jeito de resolver os problemas da economia: aplicando medidas de austeridade. Mas Paul Krugman, prêmio Nobel de economia em 2008, condena medidas de austeridade. Ignora que a austeridade em Portugal, Grécia e Espanha, está exterminando estes países. Cada vez mais economistas convergem nos malefícios de políticas de austeridade.
b) Bonner insiste na necessidade de redução de gastos públicos, no minuto 3:10.
c) Poeta começa aos 4:17 min sua pergunta sobre corrupção. Apesar da pergunta ser ao candidato do PSDB, ela cita diversas vezes o PT, para que o telespectador não se esqueça que o PT “também” tem casos de corrupção. E no fim, ela ajeita a bola novamente para Aécio chutar, ao pedir a ele que explique por que o PSDB é diferente do PT. Ele responde, obviamente, que a diferença é que o PT foi condenado pelo STF, e era justamente a resposta que o telespectador esperava. Pum! Imparciais…
d) Aos 10:55 min Poeta traz o tema Programas Sociais. Fala que Aécio promete manter os programas sociais criados pelo PT. E ao invés de concluir a pergunta de forma a exigir uma resposta nessa área, ela abre a oportunidade de Aécio desviar, quando ela diz “por que esses eleitores iriam querer mudar de presidente”?
-> Aécio aproveita a oportunidade e desvia, mudando de assunto e falando de economia e outras coisas, e não foca em Programas Sociais.
2. Entrevista com Eduardo Campos (Clique AQUI)
a) Na primeira pergunta de Patrícia Poeta, a qual começa aos 0:45 min, ela pontua ao candidato algumas propostas sociais do mesmo que gerariam aumentos de gastos públicos. Na sequência ela lembra ao candidato que ele promete baixar inflação. E então, de forma extremamente parcial e tendenciosa, ela diz que, segundo economistas, para baixar a inflação é necessário cortar gastos públicos, e não aumentar os mesmos (novamente fazendo o telespectador crer que somente políticas austeras podem salvar a economia). E pior, completa perguntando ao candidato, qual promessa ele não irá cumprir. Ou seja, ela conclui que, de um jeito ou de outro, ele estaria mentindo e enganando o eleitor!
-> Ora, a premissa é falsa, pois controle de inflação não é feito somente através da variável “controle de gastos públicos”. A equação da inflação possui diversas variáveis, como por exemplo: taxa de juros, relação monetária para com o dólar, gastos públicos, especulação acionária, crescimento econômico, aumento do poder aquisitivo do cidadão, valor dos tributos sobre bens básicos (cesta básica), estímulos à produtividade, custos da produção, etc.
Portanto, Campos não precisaria necessariamente estar mentindo ou delirando, pois ambas as ações prometidas por ele podem sim serem feitas em paralelo.
b) Aos 4:10min Patrícia diz que o próximo ano será difícil, ajeitando a bola para Campos falar que sim, assim como este ano já está sendo difícil, por culpa do atual Governo.
c) Aos 8:11min Patrícia, de forma petulante e desrespeitosa, acusa Campos de ter colocado pessoas dentro do TSE para julgarem as contas dele mesmo, Campos.
3. Entrevista com Dilma Rousseff (Clique AQUI)
a) Na primeira pergunta, quilométrica (1:07 min), Bonner não só aponta que o Governo Dilma sofreu com diversos escândalos de corrupção, como faz questão de pontuar cada um deles. E depois provoca dizendo que parece que o PT descuida da questão ética e da corrupção.
-> Para o telespectador fica bem claro que o PT teve diversos escândalos de corrupção, pois é mais corrupto. Bonner ignora a intensificação da vigília à corrupção feita durante governo Dilma, e que isso gera, obviamente, a descoberta de esquemas ilícitos.
b) Nos 4:18 min, Bonner diz e insiste que as medidas de combate à corrupção foram tomadas depois dos escândalos, mesmo Dilma dizendo que isso não é verdade, que houveram medidas tomadas antes.
c) Na série de perguntas de Patrícia Poeta sobre saúde, ela dá ênfase no fato do PT ter governado por 12 anos, e mesmo assim a saúde do Brasil estar um caos. O telespectador acredita assim que o PT nada fez pela saúde. Patrícia Poeta repete diversas vezes “12 anos de governo”, não dando outra chance ao telespectador, senão a de acreditar que 12 anos é uma eternidade e que o PT é incompetente. Não há diálogo. Os entrevistadores não estão interessados em falar da saúde do Brasil como um problema estrutural, carregado há décadas, séculos. Não faz comparações se houve melhorias ou não. A intenção é clara: culpar Dilma por termos um sistema de saúde problemático.
d) Nos 13:10, Bonner inicia sua pergunta sobre economia. Percebam nesta pergunta, as diversas entonações de Bonner: “Inflação NO TETO” bem prolongadamente, “economia com projeção de crescimento BAIXÍSSIMA”. Aos 13:55 min Bonner volta a mencionar que analistas (como se fosse um consenso) dizem que 2015 será um ano difícil, e aproveita para falar de cortes e sacrifícios, ou seja, voltou na austeridade. E conclui a pergunta, aos 14:07 min, ironizando a presidente por ela dizer que essas afirmações são “pessimismo”. Reparem, ainda no fim desta pergunta, como Bonner desafina a voz várias vezes, dando um tom de “obviedade” naquilo que se afirma, e ao mesmo tempo, um tom de deboche às afirmações da presidente.
Interrompe a presidente, em tom desafiador, aos 14:55 min, repetindo que a inflação está alta, e que há “ameaça de desemprego ali na frente”.
Especificidades da entrevista com a Presidente Dilma
No Jornalismo, existe uma técnica chamada de Semiótica, que consiste no trabalho e manejo da linguagem, gerando as assimilações desejadas (pelo jornalista) na mente do leitor ou telespectador.
Normalmente a semiótica passa despercebida ao consciente de um leigo, mas é assimilada pelo seu subconsciente. Assim, sem “deixar na cara”, o jornalismo ou marketing, é capaz de manipular a opinião das pessoas. Por isso é difícil notar a parcialidade dos entrevistadores e da emissora.
Propositalmente, o JN assume uma postura “agressiva” num geral, para causar a impressão de que todos os candidatos tiveram o mesmo tratamento. Mas se olharmos cuidadosamente aos detalhes, vemos que isso é uma máscara para a semiótica entrar como um vírus em nossas cabeças.
Vamos a alguns números:
1) Bonner faz uma pergunta de 1 minuto e 7 segundos à Dilma, disparada a pergunta mais longa de todas as entrevistas. Uma pergunta tão longa assim, carrega um monte de informação, dificultando a resposta eficiente e focada do entrevistado, e dá espaço para o entrevistador manipular a opinião do telespectador.
2) Nas entrevistas com Aécio e Campos, houveram 5 interrupções em cada uma delas. Na entrevista com Dilma, houve 21 interrupções. Pode-se argumentar aqui, que isso se deve à prolixidade de Dilma, no que concordo. Mas será que isso justifica as 21 interrupções, mais de 4x mais que as para com os outros candidatos?
3) Com Dilma, a palavra corrupção foi citada 13 vezes. Com Aécio surgiu 3 vezes, sendo 1 vez relacionada ao PT (ou seja, já na entrevista de Aécio, o PT já era atacado pelos âncoras). E com Campos, nenhuma vez.
Além disso, com Dilma, durante 7 minutos e 16 segundos, ou seja, metade da entrevista, o tema foi corrupção.
Se você acha que isso é justificável, pois compartilha da ideia de que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, clique AQUI, AQUI e AQUI para ver alguns rankings de corrupção.
4) Enquanto usaram metade da entrevista para tratar de corrupção, não foi feita à Dilma sequer uma única vez alguma pergunta sobre seus projetos, e o que ela pretende fazer para mudar e melhorar o País. Não estou falando aqui dos 1,5 minutos finais, fornecidos a todos entrevistados. Estou mencionando a janela da entrevista, com perguntas e respostas, onde para os outros candidatos, foram feitas perguntas onde lhes era pedido que explicassem como eles melhorariam o Brasil. Com Dilma, isso não existiu. Foi só acusação, artilharia.
Não pessoal, a Globo não foi imparcial, e não é digna de qualquer reconhecimento. Vocês foram enganados cheirando uma rosa linda, porém com polens venenosos.
por Miguelito Formador
@ Acesse AQUI o artigo do Celsão sobre as entrevistas, com uma visão um pouco diferente da minha.
@ E para ler duas análises excelentes sobre o mesmo assunto, clique AQUI e AQUI.
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