Posts Tagged ‘humor’

Charlie_HebdoQuando cursava a 6ª série do Ensino Fundamental, lembro-me das aulas de Ensino Religioso com o Professor, agora amigo, Evandro Albuquerque. Apesar de estarmos em um Colégio Católico, Evandro ensinava “as religiões”, e não o catolicismo ou cristianismo. Nós, alunos católicos, ríamos dos hinduístas por adorarem um Deus com cabeça de elefante, ou dos budistas por darem três voltas em volta do templo, ou dos judeus com a circuncisão quando criança, ou dos médiuns umbandistas que tomam cachaça e fumam charuto quando “incorporam” e depois dizem que quem bebeu e fumou foi a Entidade e não eles próprios, ou dos muçulmanos que acreditam que, ao morrer, terão no céu um palácio de grandeza diretamente proporcional ao tamanho de sua fidelidade em vida aos ensinamentos do Corão.

Então, Evandro olhava-nos com seriedade e severidade e dizia: “as outras religiões também riem de nós por enfiarmos a cabeça numa bacia de água, supostamente ‘benta’, recebermos um sinal de cruz feito pela mão de um padre em nossa testa, e então acreditarmos que agora fomos introduzidos no ‘Reino de Deus’. Portanto, respeitemos, em integridade, as culturas e crenças do próximo“.

Vivendo fora do Brasil, já tive contato com diversas pessoas crentes no islamismo, e lhes digo uma coisa sem titubear: eles têm cabeça, dois olhos, pelos, cabelo, duas pernas, dois braços, falam, caminham, brigam, sorriem… alguns são antipáticos, outros um doce. Engraçado não? Eles parecem com a gente!

Pois é, muçulmanos não são monstros, mas sim pessoas normais, como todos nós, com crenças particulares, assim como nós.

Com um muçulmano específico tive até a oportunidade de me tornar grande amigo. Um Paquistanês que trabalha na minha firma. Ele está entre as cinco pessoas mais dóceis que já conheci nesse mundão. Simples, competente, amável, prestativo, conquistou até mesmo o carinho dos alemães mais frios do meu departamento. Conversamos muito sobre a vida… uma delícia filosofar com ele, tamanha pureza e nobreza de coração, e clareza de pensamento. Defende o amor como caminho para acabar com a pobreza, as desigualdades do mundo, as injustiças… um sonhador.

Também conversamos muito sobre religião e aprendi com ele um pouco sobre o islamismo no qual ele acredita, e não me pareceu mais radical que algumas igrejas neopentecostais atuantes no Brasil.

Com sua barba até o peito, em homenagem a Maomé, Ahmad certo dia me olhou e disse: “Miguel, terroristas são uma pequena minoria, que nos envergonham no mundo, criando falsos estereótipos sobre nossa religião. Nem mesmo as explorações que sofremos, o imperialismo do ocidente sobre nossos países, a nossa falta de liberdade política, cultural e econômica, as guerras nas quais vivemos devido a interesses estrangeiros; nada disso justifica atos bárbaros, assassinatos, principalmente de inocentes“.

Há poucos dias o mundo novamente entrou em estado de choque com o atentado no jornal Charlie na França. Acompanhando um pouco a imprensa brasileira, notei o foco na barbárie do ato, mas praticamente a ausência do debate da perspectiva cultural e religiosa da ofensa sofrida pelos muçulmanos.

Ora, claro que nada justifica o assassinato daqueles profissionais da imprensa, e eu jamais iria me posicionar a favor desses fanáticos religiosos. Porém penso que o humor, como tudo na vida, tem limites, e agredir e desrespeitar os mais profundos valores de alguém, atinge esses limites. Nossa liberdade termina onde a do outro começa. (Clique AQUI para ler nosso artigo sobre os limites do humor, que acompanha um excelente documentário)

As religiões são as maiores causadoras de guerras no mundo. O fanatismo religioso então, é ainda mais grave.

O ideal seria não existirem extremismos e fundamentalismos religiosos, mas, infelizmente, existem. Assim sendo, custa respeitar certas fronteiras? Custa respeitarmos a cultura e crença do próximo enquanto elas não invadem nossas crenças e culturas?

Em nossa cultura, nós cometemos atos impensados quando agridem nossos pais ou filhos. Na deles, quando agridem seu Deus. O que é mais grave?

Pensemos também no comportamento da imprensa mundial, e como nós, enquanto sociedades, usamos nossa consciência ao consumir uma notícia: o assassinato dos funcionários de um jornal quase desconhecido causa comoção mundial. Cidadãos comuns ficam escandalizados e mostram sua indignação. Líderes de Governos fazem passeatas e discursos eloquentes;
Porém, quando um míssil fornecido pelo governo e indústria americana a Israel, é lançado por este país em cima de uma escola Palestina, matando dezenas de crianças que ali estavam estudando, isso fica no noticiário no máximo durante dois dias, os cidadãos se indignam e já se esquecem no dia seguinte, e nenhum líder faz passeata.
Seria um tipo de hipocrisia, ou no mínimo, uma sensibilidade seletiva?

Eu sou contra o fanatismo religioso, assim como sou contra o imperialismo, as retaliações, a escravização que o ocidente, principalmente os EUA, praticam sobre os países muçulmanos.

O jornal Charlie Hebdo já havia sofrido avisos e ameaças anteriores. Os jornalistas não mereciam a morte, mas poderiam tê-la evitado.

por Miguelito Formador

Indico o excelente artigo de Mino Carta, que entre tantas críticas inteligentíssimas, foca na hipocrisia e na seletividade da indignação mundial, dentro de um jogo político e de interesses danosos à democracia e à evolução do mundo. Clique AQUI

E AQUI vai um artigo de Ricardo Melo, com uma abordagem bem diferente sobre o assunto, com foco no fanatismo religioso e nos danos que as religiões trazem para a história da humanidade.

figura daqui

FRANCE-ATTACKS-CHARLIE-HEBDO-MEDIA-FRONTPAGETodo o planeta acompanhou nessa semana uma massiva manifestação em Paris contra o terrorismo e a favor da liberdade de expressão e imprensa. Foi tão divulgada que é dispensável a colocação de um link.

Pouco quero falar sobre o ato execrável e criminoso dos irmãos, membros da rede Al Qaeda do Iêmen. Saliento somente que nenhuma religião, em sua síntese, prega atos violentos contra quem quer que seja.
O próprio Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, condena atos de blasfêmia somente cometidos por aqueles que foram “educados” na doutrina, ou seja, os castigos deveriam ser aplicadas apenas à muçulmanos (detalhes de estudiosos do livro aqui). Na prática vê-se que países mais radicais na doutrina, como o Paquistão, prendem e executam (cristãos inclusive) por profanar ou blasfemar contra Alá ou Maomé.

Eu queria focar, primeiramente, na liberdade de expressão e declarar minha “opinião pirata” sobre o assunto: liberdade completa e irrestrita de opinião e imprensa não existe!
Citando exemplos para ilustrar a frase acima…
– Será que a polícia francesa e seus 80 mil homens que buscavam os terroristas agiriam normalmente se manifestantes pró-terroristas fossem às ruas? Ou mesmo se membros dos direitos humanos pedissem clemência para os criminosos?
– O que aconteceria com um jornal satírico nos Estados Unidos após o onze de setembro, caso publicasse tirinhas exaltando Osama Bin Laden ou mostrando a estúpida e exagerada reação americana?
– No Brasil, que não é um dos países mais rígidos em termos de lei, proprietários de blogs na internet podem ser processados por comentários feitos por terceiros. Como alternativa, os comentários devem ser moderados ou cada post deve conter a isenção de responsabilidade, informando que a página não se responsabiliza… (blá, blá) que os comentários não representam a opinião do autor e editores… (blá, blá)
– Pra completar a lista de exemplos, Laerte, um dos maiores cartunistas brasileiros, declarou em entrevista (link)que não existiria um Charlie Hebdo no Brasil, por conta da pressão “bate-assopra” que cobramos uns dos outros aqui.

Isto posto, mesmo com a boa vontade de alguns governos e instituições de tolerar o humor ácido, as provocações e os insultos. Todos os habitantes do mundo não são iguais e é impossível prever a reação de uma pessoa a um ataque ou ofensa. Por exemplo, eu nunca faria charges provocativas contra religiões!
Seguindo essa linha, o ex-presidente francês, Jacques Chirac, criticou uma republicação do jornal Charlie em 2006, dizendo que “tudo o que fere convicções, sobretudo religiosas, de uma pessoa, deve ser evitado”. (a página em Inglês do Wikipedia mostra uma cronologia resumida das matérias polêmicas – aqui)
Mas o jornal, talvez em nome de sua independência (?), talvez apenas por buscar mais fama nas publicações controversas, não se importou com ameaças e processos e segue fazendo a mesma linha polêmica. Para quem quiser ver algumas das mais discutidas capas, segue link aqui (seleção feita com as 16 melhores, em Inglês) e aqui (reunidas pela Folha e UOL)

Voltando à frase “pirata” sobre a ausência de liberdade de opinião no mundo, alguns dos próprios líderes mundiais presentes em Paris na mega-manifestação, têm em seu passado marcas vergonhosas em relação à mídia e imprensa – veja levantamento aqui.
Dentre os hipócritas, estão primeiro-ministros, presidentes e ministros de relações exteriores. A matéria apresenta links para cada uma das acusações feitas.

Finalizando, posso ser cruel, mas não creio que um jornal de 30 a 60 mil exemplares atingiria os 5 milhões desta edição sem o atentado.
E… o que os “novos fãs” não pesam ao buscar o jornal no eBay e cultuar sua “independência” é a linha tênue entre a liberdade de expressão e a crítica ou mesmo preconceito contra a população muçulmana francesa, já estigmatizada.

por Celsão revoltado

figura retirada do portal UOL. Escolhi por ser uma capa inteligente e não apelativa quanto poderia ser.

P.S.: para quem quiser a edição digital, em PDF, no idioma original, segue link.

Dança_AlemãDurante a Copa do Mundo de 2014, a postura dos alemães, dentro e fora do campo, foi admirável. Os jogadores apresentaram, num geral, um jogo limpo, inteligente e eficiente, e por isso, foram merecedores do título conquistado. Fora do jogo, esses mesmos jogadores sempre deram declarações educadas e humildes, foram simpáticos com os fãs, brincaram com crianças, distribuíram sorrisos. Depois do massacre de 7×1 contra o Brasil, alguns jogadores alemães mencionaram que esse episódio foi uma eventualidade e que o Brasil continua sendo a inspiração para eles no futebol.
Também a torcida alemã que esteve no Brasil mostrou muita civilidade. Poucas ou nenhuma reclamação existe contra eles, que souberam se comportar de forma bem respeitosa após as vitórias consecutivas.

Na Alemanha, país onde vivo neste momento de minha vida, também foi bem parecido. Claro que brincadeiras acontecem, é normal e saudável. Mas os alemães têm uma boa noção de espaço e liberdade, e por isso, a maior parte das brincadeiras foram leves, quando houveram. Muitos alemães que me encontraram nos dias que se sucederam ao jogo, nem lembraram de mencionar o episódio. Na maior parte das vezes o que eu ouvi foi: “E aí Miguel, o que aconteceu com o Brasil?”, seguido de um sorriso leve de deboche. Ou seja, brincadeira saudável, muito longe de exceder quaisquer limites.

Também teve uma grande parcela que ao invés de “zoar”, foram solidários. Muitos alemães me contaram que após o terceiro gol começaram a torcer para a Alemanha não fazer mais, pois o Brasil não merecia essa humilhação. Disseram que foi uma grande infelicidade o jogo.
No dia seguinte após a derrota brasileira, ao abrir a porta de casa, deparei-me com um pratinho cheio de chocolates no chão, e com um bilhetinho com os dizeres: “curativo de alegria”. Eram meus vizinhos, que imaginando como eu deveria estar triste, me presentearam com chocolates, que diz-se trazer alegria devido a reações que provoca em nosso organismo.

Bem, dito isso, chegamos ao dia de hoje, 16.07.2014, quando durante as comemorações da seleção alemã em Berlin, 6 jogadores (Mario Götze, Miroslav Klose, Toni Kroos, André Schürrle, Shkodran Mustafi e Roman Weidenfeller) fizeram uma dança bem polêmica. De corpo ereto e cabeça erguida, eles andavam e cantavam em alemão: “assim andam os alemães, os alemães andam assim”. E na sequência, inclinavam o corpo para baixo e baixavam a cabeça cantando “assim andam os gaúchos, os gaúchos andam assim”. O termo gaúcho se refere aos argentinos.

Esse episódio gerou todos os tipos de reações.
Os que são contra chegaram até a falar que os alemães estavam imitando macacos ou homens primitivos ao andarem corcundas, num ato de profundo racismo e nazismo.
Pelo lado dos que são a favor, dizem que foi uma brincadeira saudável e inocente, sem qualquer tipo de conotação pejorativa.
Já eu, penso que a resposta esteja no meio do caminho entre estes dois extremos.

O fato é que essa música/dança é uma brincadeira de crianças na Alemanha, e que acabou sendo “absorvida” pelos esportes, principalmente o futebol, já há bastante tempo. É normal uma torcida alemã tirar sarro com outra torcida alemã durante um jogo usando essa mesma música e dança. Portanto, definitivamente, não é algo nazista, nem racista, nem tem qualquer conexão com macaco.

Porém, devemos lembrar que uma coisa é uma torcida tirar sarro de outra. Outra coisa são jogadores, colegas de profissão, que deveriam se respeitar em todos os sentidos, tirarem sarro de outros jogadores, com brincadeiras que sugerem abatimento ou até mesmo, inferioridade. Ao se tratar então de jogadores da seleção de um país, que além de atletas, são representantes da nação naquele momento, a situação se agrava ainda mais, pois esse atleta passa a ter automaticamente responsabilidades, desvinculadas do esporte, para com a sociedade e a Nação como um todo. Debochar ou fazer agressões a outros jogadores é uma postura anti-ética.

Além disso tudo, a Europa tem dívidas infindáveis históricas com a América Latina, assim como com a África e algumas regiões da Ásia. Portanto, quando alguém que está representando uma nação européia, e neste caso, a maior potência da Europa e palco no passado da Primeira e Segunda Guerra Mundial, deveria se policiar e refletir mais antes de fazer brincadeiras polêmicas em frente a câmeras de TV do mundo inteiro, com risco de ser muito mal interpretado, dando abertura para reforçar velhos estereótipos, como os de: Nazistas, preconceituosos, prepotentes.
Pois não estamos a tratar de futebol somente, mas de esportes, de sociedades, de história, de patriotismo, de antropologia, de oprimidos e opressores, de ricos e pobres, e muito mais.
Perceba que existe uma linha tênue que conecta todos estes temas.

“Não façamos drama, de repente foi só uma brincadeira ingênua!”.
Bom, com relação a agir de forma ingênua, desatenciosa, imatura, sem maldade, sem medir as consequências de seus atos, indico novamente uma leitura já indicada algumas vezes aqui no nosso blog. Clique AQUI.
Penso que o maior mal do mundo esteja justamente aí, na falta de atenção com que agimos em nossa rotina diária.

“Ah, é só piada, humor, vamos levar na esportiva!”.
Até mesmo para o humor há limites. Se o humor agride direta- ou indiretamente grupos de minorias, esse humor está a reforçar as injustiças do mundo, e portanto, deveria ser repudiado. Clique AQUI e veja nosso post sobre isso, com a dica de um excelente documentário.

Resumindo: mesmo que na inocência, ou imaturidade, ou impulso, esses jogadores foram bastante inconsequentes e infelizes com a escolha da comemoração. Não é grave, mas é lamentável, pois a Alemanha poderia ter saído invicta, não somente nos jogos, mas também no “fair play”.

ps: Para ler uma crítica sobre o “drama” feito devido à comemoração alemã, clique AQUI. E para ler uma visão mais crítica quanto à dança, clique AQUI.

por Miguelito Formador

Danilo Gentili - documentário "O riso dos outros!"

Danilo Gentili – documentário “O riso dos outros!”

Esse documentário deveria ser assistido por todas as pessoas, independentemente de idade, sexo, etnia, opção sexual, situação econômica. Material deste tipo deveria ser transmitido nas escolas, e com frequência, para instigar o debate, a reflexão, o raciocínio, a crítica e a auto-crítica das crianças.
Este documentário tem como protagonista o humor/comédia. Mais o contexto onde o humor encena, é um contexto sócio-político, onde se percebe os conflitos da sociedade, expressos em diferentes ideologias, que representam os interesses e/ou aspirações de determinados grupos.
Aconselho a todos assistirem e refletirem sobre o conteúdo. Abstraiam, não fiquem presos ao humor. O humor é somente mais um meio, entre tantos outros, no qual as sociedades exteriorizam direta- ou indiretamente suas opiniões, preconceitos, ideologias, crenças, etc.

Assistam ao documentário clicando aqui

Por Miguelito Formador

Uma forma criativa  e divertida de descrever os bastidores da Segunda Guerra Mundial. Para os usuários, ou não, do Facebook.

http://www.nuvemuniversal.com/segunda-guerra-mundial-facebook/?fb_ref=below-post&fb_source=message

por Miguelito Formador