Tarde quente em São Paulo.
De invariável trânsito.
Entre uma parada e outra, olho para os lados buscando companheiros de percepção “Tamo na roça”, e também redenção.
Em meio ao transe do anda-pára, agregado aos vendedores ambulantes e motoboys que seguem impassíveis e buzinando, percebo num carro prata ao meu lado uma lata de refrigerante inclinando-se levemente e um movimento de garganta saciando-se.
Assumo que mesmo não curtindo o gosto do líquido, nem a marca impressa naquela lata, senti inveja e desejei aquela “refrescância”. Meio que no embalo do “Obedeça a sua sede”.
Mas eis que a inveja se transforma em indignação com o barulho da lata sendo atirada ao solo; aquele ruído oco, de alumínio leve e vazio rompeu minha vontade e comecei a me perguntar o porquê daquilo, por que as pessoas pensam ser normal atirar lixo nas ruas e como fazer para mudar isso.
Daí piorou, a indignação transformou-se em repulsa; na sequência, dois metros a frente, um papel amassado também foi atirado pelo vidro daquele mesmo passageiro, provavelmente proveniente de um pão de queijo ou coxinha, pensei. Mas… tinha de ser jogado fora? Não podia permanecer no carro?
Pra completar, veio ainda a revolta: um saco plástico seguiu o papel amassado!
“Mas era só colocar lata e papel no saco plástico, poxa vida! E deixá-lo fechado no carro até um posto de gasolina, um estacionamento, uma parada qualquer…” Resmunguei entre dentes.
Lembrei de uma vez, andando na rua, em que devolvi um papel atirado à pessoa que o atirou, com a frase “Você deixou isso cair”, e da cara do indivíduo, que não entendeu meu ato. Senti vergonha naquele dia, ao ponto de não olhar pra trás; mas também senti certo alívio e sensação de dever cumprido.
Com essa lembrança, emparelhei mais duas vezes com o carro, ensaiando um modo de dizer aquilo, perguntar o porquê ou simplesmente xingar. Buscava algo que fizesse sentido ou causasse um desconforto grande o suficiente para que aquilo não mais se repetisse.
Nada encontrei.
E o carro prata com o imundo brasileiro seguiu seu rumo.
por Celsão Revoltado
P.S.: figura retirada do site imds, aqui