Uma boa parte da sociedade brasileira comemorou há pouco tempo a “vitória” da Justiça ao condenar os chamados “Mensaleiros”, principalmente José Dirceu e José Genoíno.
Ao mesmo tempo, uma outra parcela da sociedade alertava para o fato de que o julgamento do Mensalão não representava um progresso na Justiça e tampouco na política brasileira. Pelo contrário, representava “um pouco mais do mesmo”, o que seria a manutenção das mesmas tradições elitistas e conservadoras, afinal, foi o único caso de improbidade administrativa na política brasileira que havia sido julgado com rigorosidade ímpar – inclusive passando por cima da Constituição, da ética e dos costumes, para condenar os réus – justamente por se tratar de um partido/governo mais popular e progressista que praticamente todos os outros que governaram este país por 500 anos. Ou seja, quando justiça “foi feita”, o foi para com políticos mais progressistas, que tendiam a tentar quebrar o Status Quo, ao invés de ter sido aplicada àqueles que mantém tradicionalmente o Status Quo.
A Justiça dormia; acordou quando algo colocava em risco o Status Quo, a desigualdade social, as regalias de poucos em detrimento do sofrimento de muitos, e após ter feito seu trabalho freando o progresso, voltou a dormir, se acomodando nos braços de Morfeu.
As provas de que esta segunda parcela da sociedade parecia ter razão já começam a ficar um pouco mais claras. Após o Mensalão, havia a esperança de que uma nova Era na Justiça e na Política brasileira estava por se iniciar. Porém, na prática, o que vemos é a mesma vagarosidade e parcialidade de sempre, para investigar e julgar outros casos de corrupção ou improbidade administrativa, que não envolvam o PT, mas sim partidos da oposição, como o PSDB e DEM, ou envolvendo o poderoso “ainda aliado” do PT, o PMDB. Exemplos disso são o Mensalão Tucano e o caso do Propinoduto.
Para embasar tais colocações, esse blog replica na íntegra o artigo de Ricardo Melo em sua coluna da Folha de São Paulo.
Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de ‘Opinião’, editor da ‘Primeira Página’, editor-adjunto de ‘Mundo’, secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do ‘TV Folha’, entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do ‘Diário de S. Paulo’, do ‘Jornal da Band’ e do ‘Jornal da Globo’. Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil ‘Liberdade e Luta’ (‘Libelu’), de orientação trotskista.
Assim caminha a impunidade
Meio na surdina, como convém a processos do alto tucanato, a Justiça livrou mais um envolvido no chamado mensalão mineiro. O ex-ministro e ex-vice-governador Walfrido dos Mares Guia safou-se da acusação de peculato e formação de quadrilha, graças ao artifício de prescrição de crimes quando o réu completa 70 anos. Já se dá como praticamente certa a absolvição, em breve, de outro réu no escândalo. Trata-se de Cláudio Mourão, ex-tesoureiro da campanha do PSDB ao governo mineiro em 1998. Ao fazer 70 anos em abril, Mourão terá direito ao mesmo benefício invocado por Mares Guia.
Vários pesos, várias medidas. Enquanto o chamado mensalão petista foi julgado com celeridade (considerado o padrão nacional) e na mesma, e única, instância suprema, o processo dos tucanos recebe tratamento bastante diferente. Doze anos (isso mesmo, doze!) separam a ocorrência do desvio de dinheiro para o caixa da campanha de Eduardo Azeredo (1998) da aceitação da denúncia (2010). Com o processo desmembrado em várias instâncias, os réus vêm sendo bafejados pelo turbilhão de recursos judiciais.
Daí para novas prescrições de penas ou protelações intermináveis, é questão de tempo. Isso sem falar de situações curiosas. O publicitário Marcos Valério, considerado o operador da maracutaia em Minas, já foi condenado pelo mensalão petista. Permanece, contudo, apenas como réu no processo de Azeredo, embora os fatos que embasaram as denúncias contra o PSDB mineiro tenham acontecido muito antes.
Se na Justiça mineira o processo caminha a passo de cágado, no Supremo a situação não é muito animadora. A ação contra Azeredo chegou ao STF em 2003. Está parada até agora. Diz-se que o novo relator, o ministro Barroso, pretende acelerar os trabalhos para que o plenário examine o assunto ainda este ano. Algo a conferir.
Certo mesmo é o contraste gritante no tratamento destinado a casos similares. Em todos os sentidos. Tome-se o barulho em torno de um suposto telefonema do ex-ministro José Dirceu de dentro da cadeia. Poucos condenam o abuso de manter encarcerado um preso com direito a regime semiaberto. Isso parece não interessar. Importa sim reabrir uma investigação sobre uso de celular, que aliás já havia sido arquivada. Resultado: com a nova decisão, por pelo menos mais um mês Dirceu perde o direito de trabalhar fora da Papuda.
Por mais que se queira, é muito difícil falar de imparcialidade diante de tais fatos, que não são os únicos. As denúncias relativas à roubalheira envolvendo trens, metrô e correlatos, perpetrada em sucessivos governos do PSDB, continuam a salvo de uma investigação séria. Isso apesar da farta documentação colocada à disposição do público nas últimas semanas. Vê-se apenas o jogo de empurra e muita, muita encenação. Alguém sabe, por exemplo, que fim levou a comissão criada pelo governo de São Paulo para supostamente investigar os crimes? Silêncio ensurdecedor. Mesmo assim, cabe manter alguma esperança na Justiça -desde que seja a da Suíça.
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Depois da operação estapafúrdia na cracolândia e dos acontecimentos nas manifestações de sábado, ou o governador Geraldo Alckmin toma alguma providência para disciplinar suas polícias, ou em breve ele terá aquilo que todo governante sempre deveria temer: um cadáver transformado em mártir.
por Miguelito Formador