Dormi cansado.
A rotina de quem está com um familiar internado definitivamente não é fácil. O stress mental se junta ao cansaço físico e “desmonta” até os mais resilientes.
Eis que passos me despertam.
Como o apartamento é daqueles com piso de madeira antigo, que se expande e retrai, surrado pelo tempo, é quase impossível andar ser sem percebido.
Pensei comigo: “receberei uma visita do filho mais velho. É abraçá-lo e seguir dormindo.”
Mas então o ouvido encontra a razão real de haver despertado: os passos são bruscos, noutro apartamento, e estão acompanhados de gritos.
Como um que não quer se deixar despertar completamente, forço a consciência a esquecer o episódio ou incorporá-lo num sonho qualquer.
Não dá certo. E sem querer crer no que ouço, escuto a palavra “Bolsonaro“.
Tento mais uma vez (re-)dormir. Mas as vozes falam alto…
“Chega! Sai daqui!”
“É uma vergonha essa discussão numa hora dessas” – o relógio marcava 1:30.
“Eu não quero mais ouvir falar em Bolsonaro nessa casa” – pausa com um som inaudível, provavelmente em resposta – “Nem Bolsonaro, nem Haddad. Chega!”
Nossa! É um casal de namorados repreendido pelo pai de um deles… certo?
“Vá já para o seu quarto!”
Irmãos! Corrijo a subjeção anterior.
“Enquanto morarem nessa casa vocês tem que me respeitar e respeitar o que eu disser…”
O suposto pai fala mais alto que os demais. Está tão exaltado que a voz já se encontra rouca e muita raiva, ódio até, pode ser percebida em seus berros.
Como pudemos chegar nesse ponto? A privação de raciocínio e o ódio alimentado e retroalimentado estão causando irracionalidades.
Não é privilégio dessa família. Cada um tem o seu caso para contar nessas eleições 2018. Alguns envolvendo parentes e amigos bem próximos.
A mente desperta de vez e repenso a definição de democracia, talvez esquecida pelo próprio povo, que a compõe.
Democracia vem do grego: demos é o povo e kratos significa poder. (Wikipedia)
E embora na Grécia antiga fazia oposição à aristocracia. E embora tenha representado um contraste à monarquia e à oligarquia posteriormente… hoje se define como o regime oposto a ditaduras e tiranias. Prega-se que há liberdade de trocar os líderes na democracia, pelo clamor ou decisão popular.
Pois bem, como favorável a democracia que sou, aceito e aceitarei a escolha das urnas do próximo dia 28/10. (mesmo tendo escrito aqui, que ambos os postulantes sejam as piores escolhas possíveis no momento).
Me é estranho ver reclamações do PSL sobre as urnas eletrônicas, como em aqui. Foram essas urnas que contabilizaram número recorde de votos para seus deputados federais e estaduais.
Da mesma forma como me serão estranhos e condenáveis as passeatas e manifestações que virão pós-pleito, motivado pelo lado derrotado.
Se estamos numa democracia. Se a prezamos. O que a maioria escolher deve ser acatado por todos!
Parêntese para uma pesquisa divulgada recentemente.
Foi perguntado a brasileiros qual o melhor regime e a democracia teve aprovação recorde: 69%. (notícia aqui)
As outras opções eram ditadura (12%) e tanto faz (13%). Mesmo que, dentre os eleitores de Bolsonaro, 22% prefiram a ditadura, a maioria, 64%, diz preferir a democracia.
Por que então as cenas de ódio e a polarização estúpida se repetem e certamente se repetirão nas ruas e nas famílias?
Achei um excelente artigo publicado no Nexo em 2016, em plena polarização de impeachment ou pós-eleição de 2014; polarização esta entre PT e PSDB ou entre Dilma e Aécio (artigo aqui).
Sociólogos, psicólogos e cientistas sociais enumeram os elementos que podem trazer o comportamento violento relacionado a manifestações políticas. Tristemente temos, novamente, todos estes elementos presentes:
– Descrença na eficiência da política tradicional – há tempos não temos confiança no modo como fazemos política no Brasil: os conchavos e favorecimentos, as nomeações, os partidos de aluguel, o fundo partidário advindo da reforma política mal feita, etc.
– Polarização de opiniões – o voto de ódio fez os eleitores esquecerem-se das propostas dos demais candidatos. E eram muitos, de todo o espectro de orientações políticas.
– Choque moral – corrupção e desvios (acusação ao PT) versus homofobia, racismo, sexismo, entre outros (contra o PSL e Jair Bolsonaro)
– Um alvo específico – ambos os lados têm um: Lula versus o próprio Bolsonaro.
– Desigualdade social – é um grave problema. Ignorado como elemento de conflito por muitos, até então. Ricardo Azevedo escreveu sobre os motivos que fizeram e fazem os mais necessitados votarem no PT (aqui). Criticando a elite, que preferiu “tiro, porrada e bomba” ao diálogo e avanço pragmático de médio prazo.
O radicalismo não trará qualquer avanço necessário e imprescindível à Nação.
Se pararmos para ouvir, conseguimos (até) encontrar pontos positivos nas duas propostas de governo. O PT fala em combate à corrupção. O PSL fala agora em expansão de investimentos em programas sociais.
Difícil de acreditar? Talvez.
O que penso é que nosso papel seja o de, apenas, aceitar o desejo do povo e protestar sobre o que não concordamos. Sem destilar ódio.
Que o protesto seja, antes de tudo, possível, depois sadio e constante. É impossível concordar com tudo! E é igualmente impossível rejeitar tudo!
Para acabar: eleição sem Lula não é fraude.
E, de forma semelhante, caso o PT ganhe nas urnas [eletrônicas], não será fraude.
E que todos os argumentos do vídeo abaixo sejam abnegados e rechaçados.
por Celsão revoltado.
P.S.: figura e vídeo recebidos por whatsapp. Difícil determinação de autoria.