Em meio à crise dos refugiados, e ao crescimento de popularidade de ideologias de extrema-direita na Europa, surgiu recentemente na Alemanha e Rússia um novo caso que comoveu e agitou a sociedade dos dois países: o caso da menina de 13 anos, Lisa.
Lisa é uma menina teuto-russa (família de raízes alemãs e russas) de 13 anos de idade, que vive em Berlim com os pais.
Entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2016, a menina esteve desaparecida. A família entrou em contato com a polícia para relatar o ocorrido, e pedir suporte às autoridades. Após 30 horas de desaparecimento, Lisa reapareceu em casa.
A jovem relatou ter sido sequestrada e violentada sexualmente por homens de aparência de “países sulistas” (expressão usada na Alemanha para se referir a países africanos ou sul-americanos). Esse depoimento iniciou um processo de investigação policial sobre o caso.
Paralelamente, a família de Lisa encontrou-se com um jornalista, aparentemente russo, para contar-lhe o ocorrido com a filha. Ao que parece, a partir deste encontro, a notícia se espalhou em uma velocidade lancinante.
Rapidamente a notícia chegou à mídia russa. Não somente blogs informais e redes sociais passaram a relatar o ocorrido, mas também grandes jornais e redes de TV russas, entre eles, o canal 1, rede de TV estatal da Rússia e um dos maiores canais do país, o qual transmitiu reportagens sobre o assunto, com depoimento emocionado da tia da garota, e com um vídeo onde homens de aparência árabe diziam ter estuprado “a menina”, seguido de um outro vídeo que mostrava a “polícia alemã” em ação.
Manifestações online e protestos nas ruas da Rússia e da Alemanha, realizados por grupos de extrema-direita, culpavam os refugiados pelo sequestro e estupro de Lisa.
Até mesmo o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergej Lawrow, se pronunciou de forma enfática, exigindo uma ação do Governo alemão, não somente para fazer justiça no caso de Lisa, mas para reduzir a crescente onda de criminalidade no país (dando a entender que o aumento do número de estrangeiros/refugiados na Alemanha fosse o fator responsável por tal aumento).
O Ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier, reagiu dizendo que a Rússia não deveria interferir em questões internas alemãs, e que também não deveriam se precipitar, uma vez que a investigação policial ainda estava em andamento.
Essa resposta do governo alemão gerou uma nova resposta do governo russo, onde diziam que a Alemanha estava tentando abafar o grave incidente com panos quentes, e estariam omitindo informações ao governo russo. O caso virou uma crise diplomática entre os dois países! (Clique AQUI para reportagem na revista alemã “Spiegel”)
Enquanto isso, a polícia alemã continuava a trabalhar na investigação.
Lisa passou por um exame corporal, o qual não apontou qualquer sinal de violência sexual. Durante os interrogatórios realizados com a menina, ela se contradisse diversas vezes, chegando inclusive a desmentir ter sido estuprada.
Mais além, os policiais apreenderam o celular da garota e analisaram sua atividade na internet durante o período onde “estaria sequestrada”. Ela estava online no whatsapp conversando com diversos(as) amigos(as) sobre assuntos normais, e jamais mencionara sequestro ou estupro. Através destas conversas, a polícia alemã chegou até um rapaz de 19 anos, que parecia ter abrigado a jovem durante as 30 horas de sumiço. O rapaz, um alemão sem descendência estrangeira, confirmou que Lisa esteve em sua casa durante aquelas 30 horas, mas que veio até ele por vontade própria, pedindo abrigo, relato esse confirmado pela mãe do jovem.
O parecer final da polícia dizia que Lisa estava com problemas escolares, e por isso não quis voltar para casa e pediu abrigo ao conhecido alemão. Porém, ao retornar a sua residência, percebeu a que ponto tudo havia chegado. Assim, a menina inventou a estória de que havia sido sequestrada e estuprada, para justificar seu desaparecimento. Mencionar que os homens tinham aparência “sulista” reforçava a chance de que os pais acreditassem em si, uma vez que estes, ao que parece, possuem posicionamentos de extrema-direita e contra estrangeiros.
Antes que polícia conseguisse chegar a conclusões concretas, a notícia se espalhou por outras vias (redes sociais, blogs, e por contato da comunidade russa na Alemanha com o governo russo), se tornando em poucas horas uma “crise diplomática”.
O vídeo com os homens de aparência “árabe” foi analisado e identificado como um vídeo de 2009, ou seja, mais de 7 anos de existência, e portanto, sem qualquer conexão com o caso.
O vídeo da polícia alemã em ação, é na verdade um vídeo da polícia sueca, onde é possível ler “Polis” em seus uniformes, que é “polícia” em sueco (em alemão chama-se “Polizei”).
Portanto, ambos os vídeos tratam-se de montagens sensacionalistas com o intuito de dar legitimidade ao boato. (Reportagem da TV russa, onde os dois vídeos são apresentados, AQUI)
Conclusão: a partir de uma mentirinha inventada por uma menina de 13 anos com problemas na escola e com medo da reação de seus pais, grandes órgãos de mídia “respeitados” e políticos de alto cargo geraram uma crise diplomática entre duas potências mundiais, cujos ânimos, que já não estavam nada bem, pioraram ainda mais.
Crises como essa, podem gerar desde sanções econômicas de forte impacto para a sociedade de ambos países, até mesmo conflitos armados, seja em território próprio, ou em territórios alheios, por exemplo, em outros países em guerra onde ambas as nações estejam participando (ex. Síria).
Este caso deveria servir para que, não só os brasileiros, mas também o mundo como um todo, entendam como é grave espalhar/disseminar boatos, casos, estórias, farsas, mentiras, sem antes pesquisar profundamente, buscar o parecer oficial dos órgãos competentes, se informar! Tais atos são de uma irresponsabilidade sem fim, e podem gerar consequências incalculáveis!
por Miguelito Formador
* Mais reportagens, da revista alemã Spiegel, sobre o episódio (AQUI, AQUI e AQUI)
figura daqui