Sou um crítico convicto.
Do tipo de pessoa que critica inclusive aquilo que acredita e defende.
Ou seja, posso reescrever a frase acima para: sou um crítico da esquerda.
Quando me deparo com textos radicais, de ambos os lados, tendo a discordar mais que concordar com os argumentos lançados. Tomar os meios de produção, estatizar companhias estratégicas, coibir e reprimir oposições soam tão nocivas para mim quanto o conservadorismo, ou permitir que as “forças de mercado” livremente moldem a sociedade, ou privatizar a polícia e ainda a máxima do “garantir direitos individuais acima de coletivos”.
Obviamente, para quem me conhece ou acompanha este singelo blog, sabe que o vértice político-social (ou simplesmente, nosso lado “esquerda”) é muito mais forte.
E, como quem defende um lado mais fraco numa partida de futebol ou briga injusta, evitamos seguir criticando as mazelas da esquerda; não só porque cremos serem menores, mas também por conhecer o poderio “social destrutivo” do outro lado.
O que quero dizer é que: se por um lado sabemos pela história que o comunismo criou outras classes sociais e outras injustiças com seu totalitarismo, que o Estado não evoluiu como imaginado, passando de “transitório” a inexistente… por outro é certo que a injustiça social cada vez mais acentuada do capitalismo priva um número imenso de pessoas de acessos: de oportunidades de bons empregos à cultura, privando também o indivíduo da possibilidade de reação, por desconhecimento simples daquilo que o oprime.
Mas aqui, tomo o título emprestado de um dos capítulos da autobiografia de Martin Luther King para criticar o capitalismo e frisar o avanço do monstro “social destrutivo” representado por ele!
Em novembro de 2013, fizemos um post analisando um vídeo que mostrava, usando dados da ONU, que 2% da população mundial detinha mais dinheiro que os 98% restantes, ou ainda que 300 pessoas possuiam a riqueza de 3 bilhões, equivalente à metade da população mundial (link do post aqui).
Pouco mais de dois anos depois, um novo relatório da organização britânica Oxfam, ligada à ONU, mostra que a situação global se deteriorou ainda mais: agora, pela primeira vez, atingimos 1% da população do mundo possuindo o equivalente aos 99% restante. O estudo, com dados do Credit Suisse, mostra ainda que as 62 pessoas mais ricas tem o mesmo que os 50% mais pobres em riqueza. (link aqui para a notícia no site da bbc e aqui para visualizar o avanço assombroso do número nos últimos anos em gráfico – notícia em Inglês – o gráfico chama-se The wealthy few)
Pensar individualmente e priorizar ganhar a vida a construir uma vida, é fácil e factível para os que já se encontram confortavelmente instalados nas classes “AA” ou faixa dos 10% mais ricos de um país. Para aqueles que anseiam chegar lá, o coletivo é importante, muitas vezes imprescindível, quer seja via oportunidades para ingressar em cursos superiores, bolsas de estudos, programas de incentivo para o primeiro emprego ou auxílios diversos.
Minha “opinião pirata” para os que criticam essa luta contra a desigualdade social, apontando vagabundos profissionais que literalmente “já estão com a vida ganha” com os incentivos governamentais, é simples e direta: inveja! É pura inveja e medo de perder o status de pequeno burguês, medo de dividir uma mesa do Fasano com um porteiro.
Aproveito para deixar outro recado a estes medrosos: fiquem tranquilos, pois isso está muito longe de acontecer! E a figura do post foi colocada propositalmente para o demonstrar; mesmo minimizando as diferenças entre as classes sociais, mesmo com crises, mesmo em períodos de estagnação econômica, haverá aqueles que seguirão tranquilos no topo da pirâmide. E, infelizmente, acumulando ainda mais riqueza, como mostra a evolução dos relatórios da ONU!
O economista Carlos Góes explica em entrevista que existem desigualdades boas e outras ruins, e que nosso modo de taxar o consumo castiga as classes menos favorecidas, transferindo na realidade dinheiro do pobre para o rico. Ele próprio defende os programas de transferência de recursos aos pobres como uma das soluções (aqui está a entrevista, depois de argumentos unilaterais contra o relatório da Oxfam. Sugiro que pulem para a parte de perguntas e respostas, notando que mesmo ao ser conduzido a concordar, o economista retoma a linha de raciocínio criticando o capitalismo e o enriquecimento desenfreado).
Se Venezuela, Brasil e Argentina foram “mães” para os pobres nos últimos anos, foram esses os programas responsáveis por alguma dignidade para as famílias e foram esses os governos que tentaram, de forma incompleta e muitas vezes equivocada, reduzir as desigualdades sociais dos países em desenvolvimento.
Para finalizar, deixo uma pergunta para reflexão: se pudesse escolher, você estaria nos 10% mais ricos de um país pobre ou nos 10% mais pobres de um país rico?
Quando eu paro para pensar, chego a conclusão que os pobres no país rico usufruem de uma “estrutura” talvez inexistente até para os 10% mais ricos do país pobre, como educação, segurança, saúde. Por outro lado, pertencer aos 10% mais ricos de um país pobre permite luxos impensáveis até aos ricos de países ricos, Pode-se possuir diversos carros importados, apartamentos em diferentes cidades, usufruir de serviços de mordomos, motoristas, empregadas domésticas, etc… Isso leva para outra análise: da riqueza absoluta versus a riqueza relativa.
por Celsão correto
Primeira figura retirada do site das publicações do Credit Suisse aqui. O site tem muitos documentos disponíveis para download. Usei o relatório de 2014.
A segunda figura veio daqui. A fonte no rodapé mostra “Datafolha, Novembro de 2013”. Época da nosso primeiro post sobre o tema.